Literatura

Literatura: Entrevista exclusiva com o escritor Fellipe Ruwer

“Costumo evitar clichês, a originalidade é um fator muito essencial na criação de qualquer estória de fantasia…” (F.R.).

Assistindo ao filme “Um Senhor Estagiário” (The Intern) e ao ver a cena em que o Robert De Niro, no alto de seus 75 anos, ouve de um moleque aquela frase comum em processos de seleção de RH: “ONDE VOCÊ SE VÊ DAQUI A DEZ ANOS”, na hora eu lembrei de algumas entrevistas de emprego das quais participei em minha vida profissional. A última, numa emissora de TV daqui de Salvador, fui eliminado por falta de seguidores nas minhas redes sociais. “O senhor tem quantos seguidores no Instagram?”, foi a primeira pergunta. “Tenho 30!”, respondi. “30 mil?”, questionou a profissa. “Não, fofa, 30, de três dezenas mesmo!” Resultado: nem passei para a segunda fase da experiência sem noção na qual você é qualificado pela quantidade de gente que lhe segue nessa viagem de transatlântico virtual e que só estávamos nós no navio sabotado.

Mas, hoje, vivendo nesse mundo cada vez mais virtual e com as diversas possibilidades fornecidas através dos financiamentos coletivos, muitos designers de jogos e entusiastas do hobby passaram a desenvolver e colocar a disposição de todos na internet as suas criações, pleiteado uma forma de publicar. Foi-se o tempo em que os “designers caseiros” desenvolviam o seu jogo e apresentava, quando apresentava, apenas para o seu grupo regular de jogo. E, talvez, com todo esse conceito em mente, Fellipe Ruwer acabou de publicar o seu primeiro livro, ambientado no universo RPG. “Equinócio” é um romance de fantasia, declaradamente inspirado em aventuras de RPG. Entrevistamos o autor para conhecer um pouco mais sobre ele e saber como o hobby influenciou sua obra. Confiram…

Elenilson – Acho que a primeira coisa que gostaria de perguntar é o que você pensa sobre o volume de literatura de suporte para RPG (ou seja, livros que sejam sobre RPG, mas que não sejam jogos, aventuras ou suplementos) nos últimos tempos?

Fellipe Ruwer – Existem muitos, mesmo que o nicho de RPGs no Brasil seja pequeno. Criar um mundo próprio, montar toda a estrutura de jogo e a mitologia, são trabalhos que demoram muito tempo e que possuem uma complexidade que não é percebida por quem é jogador. Acredito que os livros de suporte se tornam tantos, pois além de serem mais fáceis de serem produzidos, são ferramentas que possibilitam que jogadores possam expurgar suas experiências como uma forma de interação social.

Elenilson – Qual foi o seu primeiro contato com RPG?

Fellipe Ruwer – Lembro-me que foi na infância, o RPG se chamava “A Montanha do Feiticeiro de Fogo” (ou algo do tipo) e era um livro carcomido de uma edição que hoje em dia já deve estar extinta.

Elenilson – Por que demora tanto tempo para que esses tipos livros tenham o próprio nicho, em sua opinião?

Fellipe Ruwer – Acredito que a maioria dos leitores não tem conhecimento sobre a existência de livros-jogos, e muitos que tem, precisam de tempo para entender a ideia. A cultura literária na nossa sociedade atual e o pouco marketing colaboram com estes resultados.

Elenilson – Você deve ser um viciado em jogos e literatura de fantasias, o que está jogando atualmente e qual a influência desses jogos na sua vida?

Fellipe Ruwer – Atualmente estou relendo alguns livros do Ian Livingstone e do Steve Jackson. Ao longo dos anos, estes jogos me ensinaram que organização e sagacidade são essenciais na execução de muitas tarefas em nossas vidas.

Elenilson – Eu acho que muitas companhias de jogos se concentram em conselhos para narradores no sentido de ajudar a jogar o jogo deles. E só! Livros para narradores aparecem aqui e ali, como o Play Unsafe, e eram todos feitos por designers como projetos isolados. O que acha disso?

Fellipe Ruwer – Realmente existem muitos projetos que se propõe a apenas auxiliar jogadores. Acredito que algo que representaria um progresso é pôr em pratica ideias mais ousadas. Isto não é apenas o que os jogadores querem, é algo que tornaria o mercado interessante para todos.

Elenilson – Caso você tivesse um grupo ativo, qual RPG você preferiria?

Fellipe Ruwer – Existe um RPG bastante conhecido o qual eu nunca tive a oportunidade de jogar, chamado “Vampiro a Máscara”. A temática gótica, o universo e os estilos de personagens, bastante diferentes dos demais jogos, foram fatores que me atraíram bastante. Tenho certeza que seria uma ótima experiência participar de um grupo deste jogo.

Elenilson – Como foi o patrocínio para arrecadar fundos para a edição do seu livro “Equinócio”?

Fellipe Ruwer – Eu usei recursos próprios e também houve colaborações de parentes

Elenilson – Como jogar RPG influenciou o seu livro?

Fellipe Ruwer – Eles me ensinaram muito sobre as mecânicas, me ajudaram a me inspirar com suas estórias e mitologias variadas.

Fellipe Ruwer

Elenilson – Os NPCs mais icônicos de Tormenta são os deuses do panteão. Como é a religião, valores de energia e até o uso de ervas curativas no mundo da sua obra?

Fellipe Ruwer – Na mitologia do universo em que apresento, existe uma religião predominante que gira em torno da crença de dois deuses Guiret (O criador dos animais, da paz, da cura, da alegria e da imortalidade) e Walemath (O criador dos humanos, das intrigas, das doenças, da tristeza e da morte). A partir das mesmas, três vertentes surgiram “O Clã das Cinco Pontas”, “As Crianças do Caos” e “Os Cervos da Nova Era” (A religião existente no universo, é mais aprofundada nos meus demais livros). Assim como na maioria dos games, a energia determina a saúde do seu personagem, quanto mais baixo ela estiver, mais perto estará da morte. As ervas curativas permitem que o limite estipulado de energia possa ser ultrapassado. Parece complexo, mas não é.

Elenilson – Em termos gerais, sobre o que é e qual a função do seu livro?

Fellipe Ruwer – Criar um tipo de entretenimento diferenciado, o qual incentive as pessoas a leitura de uma forma mais alternativa.

Elenilson – Teve algum motivo específico de ter escolhido o século XVIII como enredo da sua obra?

Fellipe Ruwer – Tiveram alguns. O conjunto do sombrio e do belo muito marcante nesta época, os combates com alternâncias entre as armas de fogo e as armas brancas e o conjunto de roupas e culturas de modo geral.

Elenilson – Você já apoiou algum dos financiamentos coletivos de RPG recentes?

Fellipe Ruwer – Não, já conheci alguns, mas até o momento, nunca apoiei nenhum.

Elenilson – Pesquisando para essa entrevista, percebi que uma notícia ruim entre os muitos aficionados por RPG é a recepção de certos títulos. As avaliações de muitos se encontram “neutras”, com vários usuários apontando problemas na estrutura narrativa e falta de impacto das escolhas realizadas durante os jogos e leituras de livros. Como você encara essa perspectiva caso isso também aconteça com a sua obra?

Fellipe Ruwer – De fato, fazer com que as escolhas dos jogadores tenham consequenciais relevantes é algo muito difícil para quem estiver criando. “Equinócio” se diferencia pois possui formas variadas de fracassar em sua jornada, consequências ao possuir, ou não, certos itens e finais alternativos.

Elenilson – Você não acha que livros de conselhos para narradores atraem um pequeno nicho do hobby, mas que seu livro poderia ter um público maios se não centralizasse o ambiente de RPG?

Fellipe Ruwer – Sim, acredito. Além das pessoas que curtem RPG, o público que se identifica com o sombrio e o gótico também é um nicho o qual tento manter-me próximo.

Elenilson – Uma questão que surge de tempos em tempos nesses tipos de livros é o quão derivativa é a blogosfera do RPG. Isso se aplica tanto ao Brasil quanto aos EUA. Porém, observo um movimento crescente de blogs extremamente especializados indo no sentido contrário dessa tendência, especialmente em microblogs como o Tumblr. Você também já observou esse movimento?

Fellipe Ruwer – Sinceramente não.

Elenilson – Caso o tenham observado, você acha que pode estabelecer uma nova tendência para blogs de RPG?

Fellipe Ruwer – Os blogs me parecem interessantes, mas no momento, é cedo demais para responde isso.

Elenilson – Você ri quando escreve? Pode ser fundamental para o seu analista…

Fellipe Ruwer – Não, apesar da estória ter certos alívios cômicos, não me lembro me ver rindo em nenhum momento.

Elenilson – Quando atacado pela preguiça, como você consegue combatê-la?   

Fellipe Ruwer – De modo geral, eu não me auto avaliaria como alguém preguiçoso, mas quando acontece, um alongamento simples sempre me ajuda.

Elenilson – Com a “mão na massa”, o seu livro pronto, quais foram os seus momentos de prazer e desprazer na produção do “Equinócio”?

Fellipe Ruwer – A divulgação nas redes sociais e a interação com os leitores, sem dúvida, foram coisas prazerosas para mim. O único desprazer foi o crescimento lento e as vezes cansativo de todo o processo.

Elenilson – O escrúpulo da exatidão está sempre presente no mundo do RPG? E a verossimilhança?

Fellipe Ruwer – Algumas vezes, RPGs (Ao menos os que eu conheço) buscam alcançar o lúdico e fantástico. Acredito que a verossimilhança está presente apenas em certas narrativas.

Elenilson – Em caso de dúvida, impasse, descrença durante o jogo no seu livro, qual conselho você daria, além daquelas instruções no começo da obra?

Equinócio

Fellipe Ruwer – Para aqueles que venham a se perder durante a aventura, a criação de um mapa ou o simples fato de anotar as informações do jogo, sempre serão de grande ajuda. É importante ressaltar que leitores não familiarizados com este tipo de conteúdo, tendem a se sentirem confusos em suas primeiras experiências.

Elenilson – Você, como escritor, está sempre absolutamente consciente do que faz?

Fellipe Ruwer – Sim, estar consciente, assim como estar pleno, é algo essencial para a execução do meu trabalho.

Elenilson – Quando não consegue ir adiante no processo do objetivo principal você rasga o papel, quebra tudo e pisa em cima?

Fellipe Ruwer – Não, eu costumo ser o mais tranquilo e metódico possível.

Elenilson – E quando escorrega num clichê…

Fellipe Ruwer – Costumo evitar clichês, a originalidade é um fator muito essencial na criação de qualquer estória de fantasia, mas as vezes, utilizar uma ou outra coisa que o público já está acostumado, pode ser útil ao gerar identificação nas pessoas.

Elenilson – Solte o “verbo” sobre a tentação e os riscos das facilidades em “Equinócio”…

Fellipe Ruwer – Em “Equinócio” quase todas as decisões possuem consequências, sejam elas ruins ou boas. O progresso as vezes é relativo, já que os conceitos de certo ou errado estarão a critério do jogador.

Elenilson – Você também consegue jogar com as palavras ou só fica o tempo todo no ambiente de RPG?

Fellipe Ruwer – Acredito que sim, já que todo trabalho literário consiste em um grande jogo de palavras, que, dependendo como são utilizadas, podem gerar sentimentos e visões diferentes.

Elenilson – Se estivesse respondendo a um jornalista ou entrevistador de TV, suas respostas seriam mais criativas, mordazes, citaria com pertinência e espírito? Volte para a estaca a zero.

Fellipe Ruwer – Não costumo ser criativo ao verbalizar algo. Eu responderia tudo de forma direta e franca como sempre faço.

Elenilson – É notívago ou só cria à luz do dia?

Fellipe Ruwer – Normalmente crio a tarde, mas gostaria de criar mais a noite.

Elenilson – Deixa uma mensagem final para as pessoas que querem conhecer mais o seu trabalho e esse mundo de RPG.

Fellipe Ruwer – Para quem quiser conhecer mais sobre a minha pessoa e o meu trabalho, a minha página no facebook é: https://www.facebook.com/FRescritor/ E para quem quiser conhecer o livro: https://www.asabeca.com.br/detalhes.php?sid=18032017221254&prod=7798&friurl=_-EQUINOCIO– Muito obrigado pelo contive e muito obrigado a todos que acompanharam a entrevista.

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