“Seis exemplos de que é possível o surgimento de novos talentos na literatura brasileira.”
Por Elenilson Nascimento
Condomínio dos Monstros, de Alex Gomes e ilustrações de Cris Alhadeff. A Múmia acordou revoltada (*parece eu) com o barulho e interfonou para todos os apartamentos do Condomínio exigindo uma reunião para discutirem o assunto da poluição sonora. E olha que nem foi pagode. Escreveu um bilhete para a Mula reclamando do barulho de galope que ela fazia, pois queria dormir seus mil anos. A Bruxa fez uma poção esquisita para sumir com a Múmia, que quando dormiu roncava tanto, que nenhum monstro ficou em paz. Imagina Mil anos escutando a Múmia. E você, se fosse um(a) bruxo(a) que receita maluca faria? Uma aventura incrível!
Um Novo Amanhecer, de Mora Alves. Sempre que recebo algum livro de colegas escritores, vejo que os “eleitos” nas listas de revistas semanais estão bem distante da literatura que está sendo produzida nas margens. Nós, autores sem mídia, não trabalhamos com o perfeito, mas, muitas vezes, me deparo com livros que mais parecem uma floricultura, como no caso desse romance sobre Cíntia e Alberto, e descubro crisântemos em vasos plásticos. Leio e releio alguns capítulos e vejo que a nossa literatura não morreu. Mora Alves gosta de acompanhar o “desfazer das flores” até que elas sequem, assumindo a leveza das cores, cores de letras de chás. Belo livro que em breve postarei uma resenha mais consistente. Viva a literatura nacional.
O, de Aninha Franco. A pensadora, crítica, provocadora e autora de grandes sucessos do teatro nacional, instiga, experimenta linguagens e atualiza a sua obra nesse livro, no qual (re)constrói a sua trajetória dos palcos por meio de análises da alma em poemas, crônicas e contos. Textos como ‘Balada dos drogados’ (“minha predileção sempre foi pelo ópio/por isso foi que num dia de ócio/engoli um ac. para chegar na china…”) e/ou ‘Vômito’ (“por mais que as pessoas jurem que amanhã é um dia de surpresas sei que a surpresa é uma figura de retórica…”) foram os meus favoritos. O livro é muito melhor do que as aulas defasadas e incompletas no curso de Letras da Ucsal para tentar devassar esse Brasil e o seu olhar por si mesmo, a literatura, os cânones discursivos de uma elite ilustrada e a sua sanha na manutenção de certos tabus, pois o Brasil não é para principiantes, na fala da própria Aninha. Segundo a autora, ‘O’ é um romance visual. Mas, além desse, ela também escreveu ‘Meras Observações de um Príncipe Lilás”, além de um outro que nunca terminou. Para mim, pequeno leitor e autor, vale muito a pena estar nesse espaço com uma cabeça crítica, generosa, que se afeta com as verdades inconvenientes de um país provinciano do que numa sala de aula em que a liberdade de expressão valida o apuro do discurso. ‘O” é um bom livro. Só não entendo como essas coisas não chegam ao público com mais facilidade!
Manuscritos de Sangue, de Waldick Garret. Um livro cheio de suspense e, claro, litros de sangue – típicos das tramas de Stephen King, o grande mestre da literatura de terror –, mas escrito por um autor brazuca. São treze contos onde Garret nos traz textos perturbadores com mistura de elementos sobrenaturais e terror, principalmente nos contos ‘Pacto Sob o Luar’, ‘A Encosta’ e ‘Assassinato no Templo’. Esse livro faz parte da Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira, lançada pela Editora Novo Século. Garrett é policial, advogado, maçônico e um cara deliciosamente inteligente, além de descendente do escritor português Almeida Garrett. Nesse livro, já mostrando um imenso potencial do autor para o tema, Garrett mostra thrillers psicológicos que prendem o leitor desde a primeira página. Com a sacada de escrevê-lo em forma não muito convencional, e acertou em cheio: os acontecimentos causados por fatores sobrenaturais, mergulhando no lado mais obscuro da alma humana, muitas vezes, cheio de raiva e que não tem a menor ideia da amplitude deles, são narrados por vários pontos de vista diferente. O que, além de deixar o livro bem mais dinâmico, sai totalmente do clichê.
Clube da Leitura Vol. II (diversos autores). O mercado editorial brasileiro amadureceu muito na última década, mas marketing ainda é uma palavra maldita para muitos autores. Percebi isso ao conhecer os mais diversos editores e escritores que tive contato. Alguns medíocres até o último fio de cabelo branco, outros, felizmente, cheios de talento. E são exatamente esses que foram selecionados nessa antologia de contos organizada pela Editora Flâneur, e com os quais até já havia citado numa matéria para a Folha de Minas, em 2012, onde escrevi sobre a importância que os novos escritores deveriam dar à divulgação de seus livros. Nessa antologia, encontramos textos primorosos como “Paixões”, de Igor Dias; “O perfume de amor”, de Ana Claudia Calomeni; “Carrego comigo”, Poliana Paica; “Sobre unhas, cutículas e esmaltes”, de Daniela Palheiro; “A cilada”, de Guilherme Preger; “Amoras”, de Rafael Sperling; “Trilho”, de Saulo Aride; “Café”, de Raphael Montes”, “Estefânio depois da vagina”, de Daniel Matos e outros. O livro prova que arriscar pode valer a pena. E, depois desse livro, fica difícil sustentar a tese de que não há espaço para a literatura de qualidade nas estantes. Hoje, pouquíssimos escritores brasileiros contemporâneos escrevem tão bem, mas a maioria ainda não leva a sério as redes sociais. Em suma, esse livro é ótimo!
O Homem Que Sabia Mentir, de Sandro Côdax. Esse é um livro que expõe um desejo que nós temos: sobreviver mentindo. E isso tudo significa – a pessoa que tem essa experiência, que tem esse desejo – nós dizemos que é uma pessoa que tem vida interior, vida simbólica. Nós podemos dissecar um corpo, abrir um cadáver e não vamos achar onde está isso, mas essa pessoa viva nos diria desse desejo, desse sentimento, capacidade de sofrer, de ter frustrações, dores profundas, depressões indescritíveis e alegrias indescritíveis. De onde vem isso, de onde nasce isso a não ser da própria profundidade da nossa alma e de nosso sentimento? Então, Sandro Côdax soube transcrever essa arte que nasce daí e produz a partir daqui, pois o autor não tem poder sobre sua obra nesse sentido, ela é dada e oferecida como um dom para a alegria de toda comunidade humana. A história de Ivanovitch bem que poderia se passar em qualquer parte do Brasil, onde a ganância e a sede de poder roubam toda riqueza do seu povo, sem respeitar seu divino direito à liberdade, à democracia, ou à simples alegria de viver. Demonstra quanta sujeira há em nossa sociedade moderna, e toda podridão do meio político, onde não temos mais em quem confiar e nem ao menos, à quem recorrer. Como o autor mesmo escreveu na contracapa: “É a história de um homem que mentindo, enganando e trapaceando, chegou a ser o chefe de sua nação. É uma história onde a violência, o sexo, as drogas e a paixão, são como deuses conduzindo as vidas dos pobres indefessos mortais, lhes arrastando por caminhos de dores e sofrimentos, de aflição e demência”. Excelente livro!
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Culturale possui o excelente blog Literatura Clandestina