Literatura: o improvisado travestido de arte
Na Bahia temos vários exemplos dessa turminha de bocós: Fernando Guerreiro, Jonga Cunha, Márcio Meireles, Jorge Portugal e demais antas lambe botas de qualquer um que esteja no governo
Por Elenilson Nascimento
Na Constituição da República do Brasil, de 05 de outubro de 1988, lê-se alguns direitos e garantias fundamentais do cidadão: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. E mais: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado a anonimato”. E tem mais: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Contudo, no Brasil, atolado na lama pelo projeto ribanceira do PT, entende-se como convém, o que é nefasto, e o direito de “ser livre para exercer o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão” é jogado por terra, assim como todo o nosso direito de pensar ou escrever o que nos for mais conveniente.
Fiquei as duas últimas semanas bem longe do provincianismo arenoso de Salvador, cumprindo uma agenda por causa do relançamento do meu livro de contos “Diálogos Inesperados Sobre Dificuldades Domadas” (Clube de Autores), mas são nessas ocasiões que eu mais percebo o quanto os coleguinhas escritores são carentes de semancol. Em todas as artes, principalmente na literatura, o que mais podemos encontrar no zoológico são os pavões de egos inflamados de aço inoxidável em desmedida com o juízo de realidade.
A literatura, que na sua essência não é uma ciência como pregam as bichinhas venenosas vendedoras de auto-ajuda, embora possa e deva fundamentar-se nela, é uma coisa totalmente interpretativa, tem seus sinais e sintomas que dão legitimação, espaço e método de trabalho (*mesmo que certos escritores, como eu, sejam totalmente indissociáveis, indissolúveis e indisciplinados). Na literatura não existe verdades absolutas, matemáticas. Aí se instalam os questionadores de Deus, com suas “convicções dirigidas” para quem quiser e planos de especulações sem fundamentos e/ou muito bem fundamentados.
Eu, por exemplo, detesto bienais, feiras de livros, encontros com pseudo-qualquer-coisa e até me fazer presente em lançamentos de livros de amigos, inimigos e até dos meus. Detesto fazer parte de grupos, grupinhos, grupichos. Fico demasiadamente desnorteado nestes chás de panelas e acredito que deva ser um porre tomar chá com biscoitos com os imortais na ABL. Só mesmo nesses ambientes acadêmicos pernósticos (redações de jornais, universidades, eventos literários, entrevistas com celebridades, reuniões de coordenação de professores e afins) é onde surge como bactérias os curadores do nada, especialistas em arte contemporânea, produtores culturais, críticos de arte, júris de salões, consultores de arte, montadores de purpurinas, mestres em desfazer dos trabalhos alheios e os iluminotecnistas dos enredos vendidos como “the best of” nas listas de revistas semanais.
As escolas e as universidades ainda têm o papel fundamental no aprendizado teórico, na formação dos cidadãos e dão diretrizes e um suposto status profissionais. Mas nem todos que se graduam são bons nessas escolhas, tampouco os autodidatas são ruins no seu fazer. O que realmente conta hoje é o diploma. Então, nesses dias modorrentos e pós-modernos, o exagero chegou a limites risíveis: alguém faz uma peça de teatro na escola diz-se ator; pinta-se uma tela com lápis do cor é artista plástico; canta numa festa de aniversário ou no The Voice Brasil é cantor; escreve frases banais no Facebook é poeta; dança no balé do Faustão ou em algum grupo de pagode é bailarina. A noção dos sem noção de profissionalidade parece ter acabado. Tudo é improvisado, mambembe e chato.
E todos eles se autoproclamam “profundos conhecedores de arte” – baseados nos seus conceitos particulares do que seja arte. Na Bahia temos vários exemplos dessa turminha de bocós: Fernando Guerreiro, Jonga Cunha, Márcio Meireles, Jorge Portugal e demais antas lambe botas de qualquer um que esteja no governo. Alguns têm grandes habilidades em tramitar papéis, conseguir patrocínios privados e públicos sem respaldo ou até mesmo mamar nas tetas com seus cargos públicos. Ave César! E tudo fica no amadorismo provinciano, na miserável ideia de aprovação de projetos dos amiguinhos das panelinhas, num “achismo” desinibido, sem sustentação teórica ou prática. Quanto mais esperto o amigo da vez, mais contemplado. Lei de Gerson!
É fato entender-se que todos iniciamos carreira, sem muita qualidade, conhecimento profundo do ofício, quebrando a cara com muita gente pilantra e perdendo dinheiro também. E no mundinho efêmero das letras não é muito diferente. É muita gente querendo mostrar o que não é, mas o diferencial é a constância na escolha, a perseverança, o estudo, o cuidado e a ética. Absurdo é colocar-se “profissional” por um evento isolado. Ou um livro apenas publicado. Eu, por exemplo, ainda não me sinto um autor. E olha que já tenho oito obras publicadas sem apoio de ninguém.
Mas como hoje todo mundo é tudo (compositor, ator, escritor, artista plástico, decorador, dançarino, instrumentista, cineasta, mentiroso, sonegador, político, falsificador, estelionatário, burro, prepotente, ou o pior: petista), o objetivo maior é divulgar esse tudo nas redes sociais atualizadas por minuto com a única intenção de consegui centenas de compartilhamentos e curtidas. E a arte, por sua vez, fica para segundo plano.
Então, fica claro que “nem todos são iguais como prega a lei”. Hoje se é tudo e se é nada. Todo mundo tem algo a dizer e poucos são realmente bons. Busca-se desesperadamente a glorificação pessoal, que chega ao constrangimento. O exercício dos direitos culturais é lei, e valoriza o Brasil, mas infelizmente o improvisado travestido de arte desabona. Tornam-se urgente análises bem mais fundamentadas e critérios menos deslumbrados. Adivinhações ficam para “as cartas que não mentem jamais”, mas ter um projeto de livro aprovado num edital cultural é uma outra história.
Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina