Literatura

Literatura: Quase apanhei por causa do Leo Jaime!

“Este livro do Leo Jaime se propõe a discutir a relação dos casais sem drama – uma espécie de consultório sentimental com muito humor e visão atual.”

Por Elenilson Nascimento

Quase levei uma surra por causa do Leo Jaime! Estava eu nas Lojas Americanas, rede famosa de departamentos, hoje em completa decadência, depois de meses sem colocar os pés por lá, tanto por causa da pandemia e/ou também pela qualidade do atendimento e dos produtos que estão muito a desejar. Fora que a inteligência humana que administra essas lojas teve a grande ideia de não mais repor livros, DVDs e CDs em suas lojas físicas. Pois bem, na última segunda, 21/09, entrei para comprar alguma bobagem e me deparei com o livro “Cabeça de Homem”, do Leo Jaime, tinindo, se bulindo todo lá na estante e que parecia gritar: -Me leve, porra!

Assim que me aproximei, uma criatura que surgiu do nada apareceu na minha frente e pegou o único exemplar que a loja disponibilizava. Então, falei: “O senhor vai mesmo levar esse livro?”. E o negão, de quase dois metros disse, com cara de poucos amigos e com camisa do Olodum: “Mas é claro! Esse livro não é daquele gordo da TV?” Percebendo que ele não tinha tanta intimidade assim com o autor e muito menos com o objeto livro, argumentei: “Esse mesmo! O pagodeiro do programa da Regina Casé!” Esbugalhando os olhos, o negão respondeu: “Lá ele! Deus é mais! Tô fora!”

Objetos de consumo o livro Cabeça de Homem (2014) e o disco Direto do Meu Coração Pro Seu (1988).

Percebendo que ele havia abandonado o livro na estante do Harry Potter, fui lá e o peguei. “Ufa, até que enfim…”, pensei. Menos de dois segundos depois, o cara já estava me sacudindo pela camisa e perguntando se eu achava que ele tinha cara de “veado”… “Largue esse livro agora, seu corno!”. O resultado é que depois de quase meia hora me gritando e com seguranças da loja ao redor. Tive que explicar que o cara havia largado o livro e que eu queria levar. Mas, do nada, ele se voltou contra mim. Como eu acho que sou muito convincente e que o que prevaleceu ali foi preconceito racial mesmo (*Salvador é uma cidade racista!), os seguranças pediram para o negão se retirar. Ufá, foi por pouco…

“Cabeça de Homem” foi lançado em 2014, mas por essas bandas de cá do cu do mundo, que se chama Salvador da Baía de Todos os Santos, eu nunca achei para comprá-lo, só em lojas virtuais e, mesmo assim, sempre muito caro. Este livro do Leo Jaime, ator famosão, cantor, compositor, escritor e jornalista brasileiro, que já participou da formação original do grupo carioca de rockabilly João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, e saiu do grupo para seguir gloriosa carreira solo, é uma delícia de obra. Lembra muito a Carmen da Silva , famosa colunista, que durante 22 anos ininterruptos, entre 1963 e 1984, redigiu a coluna “A arte de ser mulher” na revista Claudia da Editora Abril. A coluna da Carmen antecipou alguns dos debates que seriam depois encampados pelo discurso feminista no Brasil: como o uso da pílula anticoncepcional, inserção da mulher no mercado de trabalho e divórcio, entre outros. Ou seja, Leo Jaime é a Carmen da Silva de hoje, mas muito mais irônico.

Mas em “Cabeça de Homem”, lançado pela editora Agir, o vencedor da “Dança dos famosos”, do Faustão, promete explicar um pouco mais o universo dos relacionamentos sem deixar de lado o bom humor. O livro é repleto de conceitos e observações sobre o universo masculino, mas sem ser machista sincero demais – muito menos machista tóxico! Depois de escrever centenas de crônicas, participar de programas (principalmente no infelizmente extinto “Amor & Sexo”) e dizer o que acha sobre relacionamentos, Leo provou que é entendido sobre o tema. Agora, em “Cabeça de Homem”, ele abriu espaço para a discussão da relação dos casais sem drama.

Noite de autógrafos no lançamento de Cabeça de Homem. Na última foto da sequência, com a cantora e atriz baiana Emanuelle Araújo prestigiando.

Em muitos sites, o livro está categorizado como “autoajuda”, o que me parece meio estapafúrdio. A publicação mais parece um consultório sentimental muito bem organizado, que sem deixar de lado o humor vai tentar explicar um pouco mais o universo dos relacionamentos. “Este livro de ser lido por mais mulheres do que homens, pois é fato que são elas que leem mais. As músicas são mais vendidas para elas, que são muito mais assíduas a eventos culturais de qualquer tipo”. E complementa: “Quase tudo que envolva reflexão, cultura, sabedoria e arte terá como público uma inegável maioria feminina. Ainda que os produtores de tais eventos ou obras sejam, curiosamente, uma maioria masculina”.

Já conhecido por seus textos bem humorados, neste seu primeiro livro (*não tenho certeza se realmente este é o primeiro), Leo aborda temas como amizade entre homem e mulher, a importância que as mulheres dão à beleza física e a procura pelo parceiro perfeito. E já para instigar o leitor ele provoca: “Ás vezes a cabeça do sexo posto pode mesmo parecer um labirinto. Expectativas, mal-entendidos, meias palavras (…)”.

Léo Jaime e Débora Olivieri interpretaram Dom João VI e Carlota Joaquina no super sucesso da Globo, novela Novo Mundo (2017), reprisada recentemente.

Dividido em 4 partes em 30 capítulos, “Cabeça de Homem” começa logo com um tema bastante polêmico nas rodas femininas. Intitulado “Homem que é homem não precisa de mulher”, o capítulo fala sobre a relação do homem com as diferentes mulheres que tem ao longo da vida. Leo explica a diferença entre a relação mãe e filho e homem e mulher como um casal, e deixa claro: “Se o camarada procura uma mulher como quem vai ao médico ou chama os bombeiros, já entra devendo”. E uma parte que eu achei, especialmente, linda: “O curioso é ele (homem) não perceber que uma atividade com os filhos pode ter esse mesmo significado”.

Em algum outro momento, o autor discute as diferentes posições ocupadas pelos dois sexos na sociedade. Com o tema “O caso do macho genérico”, ele analisa a presença feminina crescente em lugares antes ocupados em sua maioria por homens compara com o casamento. “Há uma reviravolta em curso e as posições estão mudando o tempo todo, assim como as verdades absolutas, os hábitos culturais e, até mesmo, as injustiças e desequilíbrios de gênero que herdamos. Quero dizer que o machismo não interessa aos homens nem às mulheres, ainda que seja preservado aqui e acolá pelos mais apegados aos valores tradicionais”, explica ele sobre o Clube do Bolinha – em que “se faça de esportes, tecnologia e de como ganhar dinheiro.

O livro se propõe ainda a discutir a relação dos casais sem drama: “Acredite: a vida ao vivo é muito diferente da vida dos filmes, das capas de revistas, das performances. Mas, ainda assim, “é bonita, é bonita e é bonita”, escreveu o autor, citando Gonzaguinha. Leo Jaime, uma das melhores cabeças pensantes desse país, neste seu consultório sentimental, acreditem, de boas maneiras, tem um humor nato e uma visão bem atual.

O autor Leo Jaime, esbanjando simpatia, no lançamento de Cabeça de Homem, na Livraria Cultura.

O livro traz capítulos como “Por que as mulheres querem ser o que os homens não querem comer?”, “O buraco é mais embaixo” e “Homem que é homem não precisa de mulher” – os três melhores, onde ele escreve coisas do tipo: “O resultado é que homens pedem sexo quando querem um abraço, acolhimento, e mulheres pedem um abraço e acolhimento quando querem uma trepada selvagem”.

E a eterna busca feminina e masculina pelo corpo perfeito, as neuras na cama, o tipo de homem que cada um é e os inquestionáveis ciúmes também são temas comentados nas páginas do livro – assuntos que, como ele mesmo disse, “as escolas não oferecem”: “Sexo não é ligado/desligado, bom/ruim, gozei/não gozei. Sexo é analógico e não digital. Desejo é narrativa e não objeto. Desejo é português, é língua (ou línguas) e não matemática…”

Leo Jaime sendo entrevistado por Jô Soares.

Leo Jaime surpreende e ainda tenta responder algumas dúvidas como “Por que ele não ligou no dia seguinte?” e “Será que ela está na minha?” – sempre tentando mostrar o que os homens querem e como querem. “Fico pensando nos leitores que não são homens e mulheres heterossexuais, que imagino serem a maioria”. E pontua quanto a essa fauna: “Existe de tudo! Inclusive quem quer viver situações mais emocionais do que sexuais em encontros em que o gênero do outro tem muito pouca importância”.

E quando o autor manda sinal de fumaça… quase enfartei!

Em certa entrevista, ao ser perguntando sobre a importância da Educação, o autor respondeu: “Pergunta difícil. Educação é a formação, orientação, bagagem cultural transmitida intencionalmente ou não. A formação do indivíduo se dá a partir do que ele vê, intui como sendo o que deve fazer observando os outros, quando bebê e ainda criança, o tal exemplo, e também o conjunto de informações que lhe é dado na infância. Valores culturais, familiares, religiosos, morais, todos se juntam à educação formal, ao aprendizado, contribuindo para a educação do indivíduo. Eu acredito que só se pode propagar, ou educar, a partir de uma cultura. Ou de um conjunto de culturas. A cultura sendo a essência e a educação sendo a forma de comunicação e perpetuação dessa mesma cultura”. E para quem não leu, eu também já tive a honra de entrevistá-lo, segue aqui:  http://cabinecultural.com/2018/07/24/entrevista-com-leo-jaime-o-papel-do-homem-atual-e-deixar-de-ser-violento/

Em suma, como eu já sabia, um livro escrito pelo Leo Jaime, tinha que ser coisa boa. E só por essa frase: “Não existe show de pica, como macho genérico costuma imaginar, e sim intimidade e cumplicidade” – já vale o livro todo! Leo Jaime é jornalista, apresentador, músico e escritor. Assina uma coluna de crônicas no site do canal GNT, participou do programa da Fernanda Lima, o já aqui citado “Amor & Sexo”, da Globo.

O disco Direto do Meu Coração Pro Seu, de 1988, é um dos melhores disco que já ouvi na minha vida.

E foi, por um bom tempo, um dos excelentes debatedores masculinos do “Saia Justa”, no GNT, e apresentador do reality-show “Detox do Amor”. E o seu disco “Direto do Meu Coração Pro Seu”, de 1988, é um dos melhores disco que já ouvi na minha vida. Ou seja, um autor que recomendo total!

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