Literatura

Literatura: Uma Questão de Honra, O Mordomo de Lady Di Conta Toda a Verdade – Paul Burrell

Uma questão de Honra

“De todos os criados que trabalharam para a princesa, Burrell foi o único que permaneceu ao seu lado até a morte dela, honrado pela rainha em reconhecimento por sua lealdade, nomeado como arrecadador de fundos e depois administrador da fundação social da princesa, mesmo assim foi acusado de furto de bugigangas e levado aos tribunais.”

Por Elenilson Nascimento

Já faz um bom tempo que o livro “Uma Questão de Honra – O Mordomo de Lady Di Conta Toda a Verdade”, de Paul Burrell, encontrava-se gritando “abra-me” na minha estante. Mesmo adorando biografias, confesso que, a primeira vista, achei que fosse mais um livrinho de fofocas feitas por um fã alucinado. Pelo contrário, a obra mostra que a realeza britânica não é tão realeza assim.

O livro escrito pelo mordomo oficial da princesa de Gales, que serviu a família real por 21 anos consecutivos, tendo chegado ao Palácio de Buckingham em 1976, com apenas 18 anos, como lacaio, é um testemunho corajoso sobre a breve, solitária e trágica vida da mulher que foi demasiadamente querida não só pelo povo inglês, além de invejada e ignorada pela sua própria família. “A arte de ser um bom criado, eu aprendi, era desempenhar o maior número possível de tarefas sem ser notado. A vida de um criado era vivida nas sombras e, na melhor das hipóteses, ele devia ser invisível”, escreveu Burrell.

O autor passou uma década inteira ao lado da rainha Elizabeth II, que neste ano de 2016 completou 90 anos de vida, e é justamente sobre esta convivência com a soberana que o autor começa a obra. O engraçado é que, mesmo sendo um livro teoricamente sobre a princesa Diana, as 100 primeiras páginas são sobre a rainha Elizabeth II, descrita como uma pessoa afetiva, curiosa e sociável. “A rainha tem uma atitude amigável para com a maior parte de seu pessoal, e o relacionamento entre patrões e empregados é de mútuo respeito. A formalidade do dever mistura-se à informalidade em algumas ocasiões”, justificou o autor.

Já a princesa Diana, filha do conde Edward John Spencer, antes da perda da sua privacidade, já havia sofrido com a separação dos próprios pais quando tinha oito anos. Nos tempos de anonimato, trabalhou como professora de um Jardim de Infância, até que em 1979, com apenas 18 anos, começou a sair com o príncipe Charles, ex-noivo de uma de suas irmãs. Talvez daí venha a inveja e rancor da sua família. Então, em julho de 1981, Diana Spencer casa-se na Catedral de St Paul’s em Londres com o príncipe. O casal teve dois filhos, o primeiro William, em 1982, aquele casado com uma brasileira. O segundo, Harry, que nasceu em 1984, o qual tenho mais simpatia por sua natureza rebelde e carismática, como a mãe. Segundo o autor, a princesa comeu o pão que o diabo faltou amassar dentro daquele ninho de cobras reais e fora dele, tanto com as várias traições do marido, as línguas afiadas da elite, as fofocas entre os criados, as traições de amigos e com a afetação da sua própria família. “Apesar de possuir aliados na casa de máquinas da vida palaciana, Diana não tinha aprovação geral. Alguns dos empregados eram esnobes e apegados às tradições, e horrorizavam-se ao ver a jovem dama intrometer-se no mundo deles. Em certos setores, havia quem defendesse que ela devia conhecer seu lugar…”

Uma questão de Honra

Porém, em 1987, Burrell tornou-se mordomo particular do príncipe e da princesa em sua residência de campo, onde permaneceu até 1992, quando, depois da separação do casal real, a princesa o requisitou para o Palácio de Kensington, como mordomo, organizador de churrascos, lavador de banheiros, segurança, estátua viva, confidente e, depois das descobertas das traições de Charles, ajudante e cúmplice para os encontros com “amigos especiais” da princesa.

Foi nesta época que a princesa começou as suas campanhas de obras sociais de caridade pelo mundo, aparecendo nos meios de comunicação com a sua maneira meiga, elegante e cordial. No entanto, desde o final da década de 80, começaram a surgir os primeiros rumores sobre uma possível crise matrimonial. Isto veio a se confirmar algum tempo depois, se agravando com o caso extra-conjugal que vazou na imprensa do príncipe com a Camilla Parker Bowles, mesmo com a rainha Elizabeth II ainda acreditando que o casamento do filho mais velho poderia ainda dar certo, e também com a publicação do livro “Diana, Sua História Verdadeira”, contendo declarações reveladoras da princesa.

No meio de todos estes problemas, Diana tentou “se encontrar”, e o mordomo se viu obrigado a abrir a porta do palácio para um bando sempre crescente de gurus, especialistas em saúde, curandeiros, astrólogos e paranormais. Enquanto alguns amigos, como os cantores Elton John, George Michael e Madonna, ofereciam conselhos, ouvidos e ombros para a princesa chorar. Mas a triste Lady Di encontrou proteção e conselhos na companhia da brasileira Lúcia Flecha de Lima.

No final do ano de 1992 acontece a já esperada separação do casal. Já no início do ano de 1996, foi aceita a petição de divórcio, que fora feita em 1995. A separação definitiva se deu no dia 28 de agosto de 1996. Com isto, Diana perdeu o tratamento de alteza real em troca ao equivalente a 180 milhões de libras esterlinas. Mas se havia alguma benção disfarçada na perda do status de Sua Alteza Real, era que ela estava enfim livre para traçar seu próprio caminho e se concentrar mais em projetos humanitários. Foi justamente neste período que o ator e diretor Kevin Costner a convidou para ser a protagonista do filme “O Guarda-Costas II”, mas que a princesa não se sentiu preparada.

Uma questão de Honra

A princesa deprimida, vivendo a base de remédios tarja preta, passava horas tentando compreender o porquê de seu casamento não dera certo. Aparentemente, o autor trabalha com a tese de que a princesa achava que sua baixa auto-estima tinha raízes em sua infância, que ela trouxera fragilidade para o casamento, por isso nada dera certo na sua vida. O livro aborda também uma suposta briga com a famosa apresentadora Oprah Winfrey; uma história inacreditável em que a princesa, certa noite, pegou a sua BMW e saiu para doar roupas para prostitutas; o seu amor por trilhas de filmes da Disney; e por fim, na noite de 30 de agosto de 1997, quando viajava com o seu novo companheiro amoroso, Dodi Al Fayed, o terrível acidente automobilístico em Paris, que tirou a vida de ambos.

Nos últimos capítulos, o autor aborda de forma fria e melancólica, as acusações que sofrera da família real, após a morte da princesa, de ter roubado vários objetos pessoais de Diana e ter vendido muitos deles em leilões, comprovados, tempos depois, de terem sido presentes, como normalmente a princesa fazia, não só com ele. Nos tribunais, a deprimente orquestração das acusações feitas pela Lady Sarah McCorquodale, irmã da princesa, foram dignas dos piores dramalhões mexicanos. Prova que gente medíocre e gananciosa existe em qualquer classe social. O capítulo de como a Justiça britânica funciona deveria ser estudado nas faculdades de Direito do Brasil, repletas de estudantes deslumbrados e afetados. As piores coisas que eu li no livro foram sobre a mãe da princesa, Mrs. Frances Shand Kidd, chamar a própria filha de “puta”, e sobre a manipulação da família Spencer em levar o corpo da princesa para a ilha particular da família com o objetivo de comercializar o espaço. Uma família que nunca lhe deu amor durante a vida, tentava tirar proveito com a sua morte. Outra coisa que me chamou muito a atenção foi o fato que durante o julgamento, ninguém da família real ter ido testemunhar a favor do Burrell, prova, mais uma vez, que tanta dedicação e amor ao trabalho não são suficientes para qualificar o caráter de ninguém.

Outra coisa que merece destaque, foi a bizarra história da “caixa com segredos da princesa” contendo uma fita cassete onde Diana entrevistara informalmente um dos seus funcionários que, após uma noite de bebedeira, alega ter sido estuprado por um empregado do príncipe Charles. Tudo veio à tona porque a vítima vinha tendo pesadelos, bebendo muito e vendo o seu casamento desmoronar. Então, de posse do gravador, a princesa foi visitá-lo numa clínica onde se tratava de depressão, e depois ligou para Charles relatando o incidente e exigindo a demissão do homem em questão. Mas seus apelos caíram em ouvidos moucos, pois para o príncipe tudo aquilo eram apenas fofocas da criadagem.

De todos os criados que trabalharam para a princesa, Burrell foi o único que permaneceu ao lado da princesa até a morte dela, honrado pela rainha em reconhecimento por sua lealdade, nomeado como arrecadador de fundos e depois administrador da fundação social da princesa, conseguindo arrecadar cem milhões de libras, mesmo assim foi acusado de furto de CDs, livros, enfeites, fitas cassetes, roupas, joías, tapetes, presentes rejeitados e todos os tipos de bugigangas que a Scotland Yard pudesse achar como suspeitos. Uma curiosidade: na edição brasileira, a orelha do livro foi escrita por Joyce Pascowitch. (“UMA QUESTÃO DE HONRA – O Mordomo de Lady Di Conta Toda a Verdade”, de Paul Burrell, biografia, 412 págs, Editora Ediouro – 2003)

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina

Shares: