Máquina Mundi
“Máquina Mundi consolida-se assim como uma aprazível, porém, crítica e intrigante, leitura que mais do que recomendável, torna-se imperativa em tempos de transformações tão rápidas na tecnologia e modos de vida”
É certo que a poesia é um dos gêneros literários mais plurais que se tem notícia. Passível de construções múltiplas, divide-se em inúmeros gêneros e sub-gêneros. Há poesias para todos os gostos, estruturadas de todas as formas. Mas, por algum motivo, difundiu-se no senso comum uma ideia homogênea sobre a poesia. Ela foi amaciada, pacificada, floreada. Poesia virou sinônimo de romantismo, de algo leve e límpido. Nada mais equivocado.
Mais do que apaziguar, a poesia sempre teve o objetivo de questionar, criticar, colocar o dedo na ferida. Longe da leveza pré-suposta pelo senso comum, a poesia tem um histórico de “som e fúria”, como diria Macbeth. De Rimbaud a Neruda, de Brecht a Garcia Lorca. No Brasil, também não faltam exemplos. Na década de 70, como reação a repressão da ditadura militar, surgiu a Geração Mimeógrafo ou a Poesia Marginal. Segundo Luana Castro, graduada em letras e colaboradora do site Brasil Escola, esse movimento literário se caracterizava pelo uso do mimeógrafo (máquina para realizar cópias, com um original escrito ou desenhado em relevo) para reproduzirem seus textos e livros. O método quase artesanal era um processo alternativo de criação, produção e distribuição do poema, que substituía os meios tradicionais de circulação das obras, como editoras e livrarias. Os seus textos eram ácidos, repletos de críticas ao governo, a sociedade e ao padrão de vida da época. Dos muitos poetas que fizeram parte desse movimento, destacam-se Chacal, Torquato Neto e Paulo Leminsky.
Máquina Mundi
É retomando essa tradição de poesia rebelde e reflexiva, que Marcelo Mourão, escritor e professor carioca, lança o seu mais recente livro: Máquina Mundi. Nele, Mourão recorre a nomes clássicos da literatura, sociologia e filosofia, tais quais: Michel Foucault, Zygmunt Bauman e George Orwell, para tecer ferrenhas críticas ao mundo moderno, especialmente na relação cada vez mais íntima dos homens com a tecnologia.
Não que o autor seja um purista, que vê na tecnologia a gênese para todos os males do mundo, não. Mas não se furta de apontar os sensíveis prejuízos que uma vida cada vez mais virtual e menos palpável traz as novas gerações. E Mourão faz isso da melhor forma possível, através de versos bem encadeados, métrica ajustada e com um conhecimento sagaz sobre as mais diversas teorias socio-filosóficas.
Aqui, Mourão consegue empreender uma rara qualidade: une a sua visão pessoal de mundo com robustos estudos científicos das ciências humanas e as transmuta, em uma comunhão quase perfeita, para a complexa estrutura poética. Como bem disse Leila Míccolis, que assina um dos prefácios da obra, o autor mostra o seu talento ao lograr êxito em utilizar-se de textos curtos para resumir precisamente a nossa caótica realidade. Não é exagero.
Mas não só de críticas a um futuro (presente?) distópico vive a poesia de Mourão. Na obra também tem espaço para amor, metalinguagem, ego, psicologia e uma ampla gama de temas que demonstram a bagagem de vida do autor.
Máquina Mundi consolida-se assim como uma aprazível, porém, crítica e intrigante, leitura que mais do que recomendável, torna-se imperativa em tempos de transformações tão rápidas na tecnologia e modos de vida.
Livro: Máquina Mundi
Autor: Marcelo Mourão
Editora: Oficina
Ano: 2016
Páginas: 133
Preço: ?
Avaliação do Cabine Cultural: 7,5
Pedro Del Mar, baiano, 25 anos, repórter e colunista. Um curioso nato que procura enxergar o mundo sem as velhas e arranhadas lentes do estabilshment. Acredita que para todo padrão comportamental há interessantes exceções que podem render boas histórias.