Literatura

Música – Duas & Dois: Quarteto Fantástico no TCA

Duas & Dois – Divulgação

“Show mistura músicas boas, cenário lindo, pés descalços e muito bate-papo roteirizado demais, mostrando o encontro de quatro talentosos artistas.”

Por Elenilson Nascimento

Recentemente um músico baiano que foi classificado no programa Superstar (Globo) me escreveu contando que não tem mais tanto prazer no seu trabalho por causa dos coleguinhas afetados e acéfalos, que não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania de grandeza da grande maioria das estrelinhas decadentes do axé da Bahia. Segundo ele, o convívio com “egos inflados” é demasiadamente penoso, então ele ainda me perguntou o que fazer para afastar oportunistas e agregar gente do bem. Logo eu, o anti-social, o antipático, o que não come ninguém. Assim dizem! Porém, algo bem longe da realidade. Ou quase.

Porém, eu, que sempre faço a apologia do ato generoso da escuta, sugiro ao meu amigo músico desencantado que faça ouvidos moucos. Lembrei que ele tem o privilégio de ser um dos poucos que valoriza os mais de 100.000 fãs-seguidores no Facebook e sabe ouvir o silêncio sutil das oportunidades, por isso que ele ainda teima em viver de música numa terra acéfala como Salvador. Contudo, nem todos os artistas da Bahia, no meu ponto de vista, são merecedores de atenção. A grande maioria, como disse o meu amigo, é desprovida de “semancol” e vive num deslumbramento constrangedor. Culpa dessa mídia provinciana, culpa do público igualmente afetado, culpa da nossa falta de cultura. Quanto ao meu amigo, que já está colhendo os frutos de ter aparecido na tevê do Robertão, pelo menos os bostas da Rede Bahia já o chamaram para dar o ar da graça no Bahia Meio Dia. Só assim!

E, no meio de tantos porcos travestidos de artistas, podemos dizer que sempre existe as pérolas, em estado bruto, vale ressaltar, mas com talentos ainda não valorizados numa terra que se dedica a comer poeira. Prova disso é o excelente espetáculo “Duas & Dois”, um  show acústico, que mistura teatro, muitos “causos” e MPBoa, apresentado pela deliciosa Ana Mametto; Cláudia Cunha, a nossa Vanessa da Matta com mais cabelo e mais talento; Yacoce Simões, com cara de adolescente e dedos de demônio; e Alexandre Leão, um dos melhores artistas baianos da atualidade, que estreou um programa de entrevistas na TVE (*queria aquele toca discos do cenário), dono das batatas das pernas que deixariam Ronaldo “obeso” morrendo de inveja, mas que me odeia.

Duas & Dois – Divulgação

Recentemente, este espetáculo com uma qualidade cênica invejável e um repertório bastante interessante teve uma apresentação especial no Teatro Castro Alves (*teatro vendido como a casa do povo, mas isso está bem longe da realidade), mesmo com alguns desleixos da produção. O público que chegou ao local às sete da manhã foi recepcionado por seguranças totalmente despreparados, desinformados e estúpidos. Depois de duas horas na fila, às nove horas as pessoas puderam adentrar ao teatro. Mais duas horas de espera e as onze, enfim, o espetáculo começou. A abertura do show foi terrivelmente comprometida com a entrada dos quatro artistas no palco sem nenhum cuidado pois a preocupação da direção da casa era com aquele telão ridículo fazendo propaganda das benesses do Governo do Estado.

Felizmente, o talento do quarteto é bem superior aos devaneios das antas provincianas geradoras de lucro e “CUltura” na Bahia, e o show apresentado encenou canções da nata da MPBoa, bem longe do trivial das programações das rádios, revelando interpretações clássicas e “achados” descomprometidos com o comercial. Contudo, apesar do show ter sido muito bem ensaiado, acho que foi justamente isso que tirou toda a naturalidade dos artistas. As encenações das canções foram roteirizadas demais, as piadas perderam um pouco da força devido a plasticidade e a nítida intenção de agradar (*basta procurar no Youtube que até as mesmas respirações roteirizadas estão por lá).

E quando os artistas começam a dialogar entre si e o seu vizinho de poltrona ao lado resolve descrever as cenas futuras? “Agora a Mametto vai subir na mesa…”, “A Cunha vai jogar os cabelos pra frente…”, “Leão vai cantar essa música…”, “Fulano vai fazer isso…”, “Cicrano vai pegar o violão…”. Um saco ter que aturar gente sem noção. Me deu vontade de apertar o pescoço do cara. Mas estou exercitando o meu poder de adaptação. Mas está complicado viu! Não estou aplicando a prática do sorriso com eficiência, mesmo com Rita Batista recitando feito um mantra todos os dias no meu ouvido.

O show é com direção do André Simões, conhecido como um dos apresentadores do outrora interessante programa “Roda Baiana” (Metrópole FM), que assinou a concepção do tema, roteiro e direção artística. Estreado no Teatro Módulo, em março de 2015, o espetáculo já foi visto por muita gente que quer fugir do mais do mesmo no pobre cenário cultural de Salvador. E o resultado é uma produção criativa, íntima e informal. Mas roteirizada demais. Senti muita falta de mais interação dos artistas com o público. Em certos momentos, como já foi dito, pareciam que eles dialogavam entre si na sala de visitas de suas casas, fazendo um sarau particular para eles mesmos, entremeado por histórias ensaiadas demais, piadinhas clichês demais e até bricando com a vida de garoto de programa de Zé Ramalho. Pois eu jurava que foi o Belchior que teve experiências como profissional do sexo, mas enfim…

Duas & Dois – Foto de Felipe Oliveira

Adorei a parte onde eles brincam com a forma errada que as pessoas cantam as letras de algumas músicas. Aí lembrei que até outro dia eu cantava a canção “Zumbi”, de Jorge Ben Jor, não por não saber o significado, mas porque ter muita dificuldade em entender o que o Ben Jor fala: “Angola Congo BANGUELA/MIOJO CABRITA MINHA/QUILOMBA REPOLHO…”, ao invés de cantar: “Angola Congo Benguela/Monjolo Cabinda Mina/Quiloa Rebolo…” Também, a letra é complicada demais. Rita Lee disse certa vez que o negão aí é um desmarcado… Mas nem sei pra que eu trouxe essa informação pra cá, não vai mudar a vida de ninguém. E uma das cenas mais bacanas foi quando Cunha e Mametto, muito bem vestidas, fizeram um dueto muito sensual e de muito bom gosto, contrário do que a La Mercury e a Aline do Babado Novo fizeram tempos atrás. Noutra cena, lá no finalzinho, um Leão submisso, ao violão, canta com uma Cunha inteiramente charmosa. Etá que “Uma Canção Pra Cristina” deve ter ficado se corroendo de ciúmes. Ou não! Nesta hora, Mametto tentou interagir com o Yacoce, mas o músico preferiu se manter afastado das trocas de afetos no palco – parecia um pouco incomodado. Fora que o achei com cara de poucos amigos. Deveria tá de ovo virado por ter que repetir aquele show pela centésima vez.

A cena mais bonita foi quando os quatro sentaram na beira do palco, bem perto do público. Pela primeira vez no show, observei a satisfação dos artistas em promover junto ao espectador uma licença poética para ingressar em suas intimidades, que de tão perto, passa a sentir-se no palco. Foi muito lindo. Leão chorando para a sua mãe, já que a apresentação foi no domingo do Dia das Mães, foi meio estranho. Bajulando a véia, né? Mas todas as coroas no teatro ficaram ovulando.

Nota dez para o cenário com detalhes de iluminação estilizadamente charmosa, meio puteiro, meio restaurante japonês, meio sala de espera de hospital cristão. Tudo muito bem disposto naturalmente como em uma reunião de amigos em casa no domingão. Gostei muito também do discurso da Fernanda Tourinho sobre este momento tenebroso que estamos vivendo no Brasil, coisa que os artistas da Bahia, como sempre, com exceção de Márcia Short, Paulinho Boca e Márcio Melo, evitam se envolver, e que eu ainda acho um descuido de eles não usarem o espaço na mídia para também se posicionarem. Mas os artistas na Bahia são assim, preferem o oba-oba e só. E Leão, por exemplo, seria 100% perfeito se chutasse o balde de vez em quando. Acho que ele nem fala palavrão. Nota zero para a iluminação! Provavelmente o ilustre iluminador do espetáculo deve ter se formado no Pronatec da Dilma pois mal consegui enxergar os detalhes do cenário. Em alguns momentos, os artistas cantavam e a luz estava em outro local ou era tão fraca que eu pensei que o show já estava terminando. Em suma, “Duas & Dois” é um show feito para os amantes de MPBoa. Quem quiser conferir com a intenção de suar na quebradeira, fique em casa mesmo ouvindo rádio!

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina

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