Coluna de Helena Prado sobre tudo que o universo pode oferecer; um espaço para contos, crônicas, textos, relatos…
Namoro na terceira idade
No finalzinho do ano de 2015, eu estava toda alegre, até porque, acreditem, eu juro que tive a sorte de nascer alegre, otimista e de bem com a vida. Quem me conhece, vê que eu estou muito mais para uma palhaça do que para alguém deprimida e cabisbaixa. Eu adoro rir, se possível gargalhar. Andei relendo as mensagens e os desejos para 2016. Nossa, quanta euforia, quantos sonhos, uma maravilha!
Voltando para o finalzinho de 2015, eu fui com minha prima Heloisa, organizada e querida, para Cunha a fim de alugar minha casa mobiliada. Missão impossível. Até tive a sorte de alugar quase dois anos assim. Mas o outro inquilino não quis. Eu não sei vender nada. Minha prima sabe vender muito bem. Pra ser franca, eu deveria sumir do mapa quando aparecia alguém interessado em comprar alguma coisa, porque eu esquecia os preços, eu era um horror! E Heloisa o máximo! Sabia vender como ninguém. Eu também sou extremamente bagunceira, uma tragédia. Enquanto Heloisa é milimetricamente organizada. Se ela não tivesse ido comigo, eu não teria vendido um grampo.
Pulando das vendas e da desorganização para o viúvo de uma amiga minha, João, encontrei-me com ele num bar (Cunha deve ter 5, sendo dois decentes) onde marquei com meu inquilino. Fiquei feliz da vida ao vê-lo tão bem, porque 5 anos antes, quando o vi, sua mulher Silvia havia morrido e ele ficou destroçado. Fui falar com ele rapidinho, sentei-me e conversei com o meu inquilino depois e, quando estava saindo, perguntei ao dono do bar se ele tinha o telefone do João, que tinha ido embora antes de mim. Ele disse que tinha só o e-mail. Putz, que moderninho, pensei!
Eu estava com 62 anos e fazia 10 que estava sozinha. Durante 6 destes 10 anos, eu não quis saber de homem nenhum. Na minha cabeça, minha vida sexual tinha acabado. E eu também não tinha muita coisa boa a dizer dos homens. Achava-os uns grandes sem vergonhas, uns galinhas, um deles folgado à beça, e todos uns caras de pau. Mas nos últimos quatro anos, comecei a sentir falta de uma companhia. Se bem que pra mim era muito difícil. Como eu não saio de casa, só se um homem caísse do céu em cima da minha cabeça, ou se eu me interessasse pelo tintureiro, entregador de pizza, tipo gente assim…
Vista casa Cunha
Eu namorei muito pouco na minha vida porque nunca soube paquerar. Tive uns quatro namorados antes de me casar com um grande amor, aos 19 anos. E ele com 22. Aliás, “todos” com quem me relacionei foram grandes amores. Nunca consegui sair com alguém que eu não admirasse muito e não estivesse apaixonada.
Eu e o pai das minhas filhas éramos muito jovens e muito duros. Formávamos um casal que era uma graça. Éramos louquíssimos, bonitos, atrevidos, inconsequentes, aprontávamos tudo que não pudemos aprontar quando solteiros. Adorávamos uns primos de Juiz de Fora, todos mais ou menos na mesma faixa de idade, e passávamos carnavais em Araruama ou Cabo Frio, depois de enchermos a cara e ainda tomarmos umas anfetaminas, que pensávamos serem somente remédios para tirar apetite. Putz, que saudades! Era uma esbórnia!
Meu marido Paulo ascendeu profissionalmente rapidamente. Então, pintamos e bordamos, viajamos muito, conhecemos toda a costa brasileira, fomos aos EUA algumas vezes, Fizemos cruzeiro pelo Caribe, frequentávamos restaurantes badalados e éramos muito, muito apaixonados. Tivemos duas filhas muito desejadas e planejadas, depois de cinco e dez anos, respectivamente.
Central Park
Mas, depois de eu levar chifres do tamanho do berrante do Sérgio Reis, cheguei à conclusão de que estava na hora de dizer-lhe adeus.
Chorei pra caramba. O diabo é que as minhas amigas todas me diziam que sabiam, que estava na minha cara e só eu não via. Acho que era porque eu bebia à beça. E porque eu acreditava em tudo que ele me falava. Quando eu dizia o “o que é este batom na sua camisa?”, ele, na maior cara de pau, e eu, na maior estupidez e negação, acreditava no que ele me dizia. Podia ser o maior absurdo do mundo, mas eu simplesmente acreditava. Tipo, ela falava que foi a fulana que esbarrou na minha camisa quando caiu o isqueiro dela no chão e sem que percebêssemos, juntos abaixamos ao mesmo tempo e… sujou. E eu engolia direitinho. Até que chegou a um ponto em que eu estava mais desmoralizada do que o vagabundo do Lula, só que com vergonha na cara. E assim, ele foi obrigado a fazer sua malinha e a sair de casa, sem levar nem uma camisinha. De Vênus. Só mesmo a sua malinha.
Voltando ao João, mandei um e-mail convidando-o para sair. Eu queria saber mais dele e da Silvia, pô! , porque fiquei cinco anos sem ir a Cunha e, quando a encontrei, ela me disse: larga esta merda porque eu estou morrendo por causa dela. A merda era o cigarro. E a aparência dela era ótima. Custei a acreditar que ela estava doente. Conversamos mais um pouco, fui embora chocada, e no dia seguinte e Silvia morreu. Eu nem sei como eu fiquei. Pra começar, nem acreditei. Dei um pulo no velório, como se fosse pra me certificar que aquilo que me avisaram era verdade. Mas fui embora logo. Como eu pude encontrar com ela inteirona, com cabelos, numa mercedinha , que, debochada, ela disse: já que vou morrer mesmo, então vou torrar meu dinheiro com tudo que eu quero. Pô, tudo bem, mas eu imaginei que ela fosse morrer dali há um ano e não no dia seguinte?. Ô mulher raçuda!
Encontrei-me dias depois com o João, chamei-o e ele passou por mim feito uma bala perdida. Não me viu muito menos me ouviu.
Paola Panterinha
Eu queria dizer que eu estava muito sentida por ele e sei lá mais o quê. Nem ao enterro consegui ir, e queria explicar. Porque eu estava pasma também. E assim quando o reencontrei, coincidentemente depois de mais cinco anos também, tive vontade de falar com ele e saber como foi que ele se restabeleceu e, dinossauramente, mandei-lhe um e-mail falando que queria encontrá-lo e que ele marcasse o lugar. E a resposta veio por telefone. A Silvia tinha meu número.
E nós nos encontramos no lugar da véspera. Demorei a chegar, ele me disse. Mas disse também: seus amigos, fulana e sicrano vêm também. Eu então lhe pedi mil desculpas, mas disse-lhe que ia embora. E rapidinho expliquei que a fulana havia brigado comigo. Como todo cavalheiro, imediatamente ele disse que de jeito nenhum. Que iríamos a outro lugar. E assim João me levou a um lugar infame, na rua principal da cidade, onde umas duas dezenas de fuscas — sim, Cunha é a cidade dos fuscas — aglomeravam-se, e seus donos faziam roncar o motor acelerando, quando chegavam correndo a 40km/h e ao som bem alto de músicas do tipo:
Nós somos dois sem vergonhas em matéria de amar Eu te amo e tu me amas mas brigamos sem parar Nós somos dois sem vergonhas não podemos ocultar
Você porque vai e volta e eu por lhe deixar ficar
Todo dia a gente briga por ciúme ou por intriga Sempre temos que brigar Você diz que vai embora e eu com raiva nessa hora Não lhe peço pra ficar É problema de quem gosta quendo você vira costas A tristeza me acompanha E mesmo um caso sem jeito você vai,volta, e eu aceito
Isso é uma pouca vergonha…
Ou
Pergutaram pra mim Se ainda gosto dela Respondi tenho ódio
E morro de amor por ela
Hoje estamos juntinhos Amanhã nem te vejo Separando e voltando A gente segue andando
Entre tapas e beijos
Eu sou dela e ela é minha E sempre queremos mais Se me manda ir embora Eu saio lá fora
Ela chama pra trás
Entre tapas e beijos É ódio, é desejo É sonho, é ternura Um casal que se ama Até mesmo na cama
Provoca loucuras…
Entramos num lugar horroroso., que tocava talvez um rock lascado, misturado ao sertanejo da rua, uma maravilha! Mas se Cunha tem cinco bares, sendo dois decentes que funcionam nos fins de semana; durante a semana, tem dois bares e um decente. Que era justamente aquele de onde de onde a gente foi embora. Entramos no indecente e, juro, que até hoje não sei o que conversamos. Eu fazia que sim, ou que não, dependendo da cara dele. E acho que ele fazia o mesmo Tipo uma hora depois, ele sugeriu que fôssemos embora e eu adorei. Sem graça, ele disse: bem, desculpe, Helena. Mas você sabe como é Cunha. Eu: magina, João. Claro que conheço Cunha. Só não disse a ele que havia me esquecido daquele misto de rock sertanejo, de um mau gosto incalculável. E daquele ronco daquelas máquinas maravilhosas , algumas com uma bola no câmbio com uma carinha infantil dizendo: “não corra papai”. Absolutamente dispensável, já que Cunha é uma subida e uma descida, outra subida e outra descida, e mais outra subida e descida e assim sucessivamente, impossibilitando, portanto, que um carro alcance velocidade superior a 40km/h.
Paraty
Somente quando ele me deixou no carro foi que ouvi: então, até qualquer hora. Nos beijamos no rosto e nos despedimos. João não me deu seu telefone. Lembro ainda que conversamos por alto, porque, na véspera, um gordo insuportável e maléfico, e tudo de ruim que um gordo insuportável e maléfico pode ser, já havia adiantado sobre o primeiro lugar do prêmio que João ganhou, num concurso de embalagens para o Champagne Veuve Clicquot. E que foi a Paris receber o tal prêmio. João é arquiteto e pinta divinamente bem.
Bem os e-mails começaram a chegar. Tipo, um hoje e outro um mês depois, kkkkkkkkkkkk!
Sei que num deles eu perguntava como ele, João, foi parar naquele cafundó. E em que ano foi, porque como Cunha é também a terra da cerâmica de alta temperatura, e minha mãe e seu marido Ricardo Dubinskas foram uns dos pioneiros aprendizes desta arte chinesa que apareceram por lá, junto com meia dúzia de gatos pingados, entre eles uma japonesa e seu marido, além de um português que foram pra lá para dar aulas, numa época em que Cunha era um matagal horroroso, João contou como foi parar lá e, coincidentemente, na foi na mesma época em que minha mãe estava por lá. E eu também dei um pulo naquele brejo horrível e abominei. Achei um horror. Minha mãe tinha virado hippie ou enlouquecido, eu achava…
Mas preciso dizer que João demorou uma década para responder. Também na resposta, ele já me alertava para a sua lerdeza e falta de vontade de mandar e-mails. E acrescentou que nunca me deixaria sem respostas. Mas que era melhor eu esperar deitada, kkkkkk! Esta foi por minha conta. Falar ao telefone, então, para ele era morte. E assim, trocávamos raros e-mails. A todos eu somente respondia.
Eu seguia a minha vida que era uma chatice infernal e sem o menor colorido. Até porque tenho uma esquisitice que me aborrece sobremaneira. Sou tímida. Quando estou atrás de uma tela de computador, sou completamente desinibida, faço e aconteço. Mas tête à tête custo a desemburrar e a ficar à vontade. Então, saio pouquíssimo, às vezes com minhas primas, mas muito raramente. Nem ao cinema tenho coragem de ir sozinha. E não é por falta de terapia. E do meu terapeuta insistir pra caramba. Simplesmente, eu não tenho coragem. Agora, já ando mais saidinha. Já consigo ir ao Shopping sozinha e ao cabeleireiro.
Completei 63 anos, com minhas primas aqui em casa. Não achei nem bom nem ruim. Comentei com João, que não disse nem que bom! nem que merda!
Mesmo depois de divorciada, tive pouquíssimos namorados, acho que três ou quatro, e um relacionamento que durou 13 anos. Que saco de relacionamento!. E que hoje eu vejo que não tinha absolutamente nada a ver comigo. Eu gosto de lugares badalados, ele odeia; eu curto receber gente em casa, ele detesta, eu adoro roupas, ele abomina, ele é hippie, eu não tenho nada a ver com hippies. O que eu “gostava” mesmo era de ouvir ele ensaiando para um concerto suas músicas lindas ao violão. Que, diga-se de passagem, ele tocava divinamente bem.
Mas ouvir das oito da manhã até às duas da manhã, digamos que duas músicas somente, uma de Tchaikovsky e outra Mahler, por exemplo, o dia inteirinho, sempre as mesmas, repito, me dava vontade de morrer. Principalmente, quando ele não se tocava e “tocava” no quarto onde a gente dormia, e eu ainda estava dormindo. Olha só que alegria!
Helena Bahia
De volta ao John John, — eu já estava ficando íntima — quando eu recebia um e-mail dele, eu ficava muito alegre. E passei a mandar pra ele meus escritos do Cabine Cultural. Mas como ele era muito lerdo, e eu não ia explicar pra ele que mulher é um bicho esquisito, que todo mês sangra (que saudades do tempo que eu sangrava!) e outros baratos, tipo ansiedade pra não dar na cara que eu estava ficando muito a fim dele e dizer: pô, cara, me liga e não enche o saco. Um dia, disse a ele, sempre por e-mail: olhe só, João, achei numa agenda antiga de Cunha com seu telefone fixo, e como não tenho problemas de nenhuma ordem com celulares ou telefones fixos, ou e-mails, vão pra você todos os meus telefones e contatos. Se quiser me ligar, muito bem, se não quiser, bom também.
Um dia o telefone tocou e era ele, em voz e osso. Não, nada disso. Em voz e telefone. E falou um montão. Minha mãe perguntou quem era. Eu disse, ora, o João. Ela: o João? Eu, entusiasmada, sim: o João. A partir daí, começamos um telenamoro devagarinho, que rapidamente tornou-se desenfreado.
E passamos a falar de tudo. Literalmente de tudo. E todos os dias. Às vezes duas vezes no mesmo dia. Durante duas ou três horas. Brincamos até que eu já devia ter virado virgem outra vez, pois não namorava há séculos. Aí foi uma delícia e muito gozado. Porque custa a crer que na nossa idade a gente demorou pelo menos uns seis meses de telenamoro pra finalmente partir pros finalmentes, kkkkkkkk!
João é cuidadoso comigo, preocupa-se se eu não me alimento, e mesmo à distância, toma a maior conta de mim. Eu acho o máximo ter alguém que se preocupa comigo. É carinhoso por telefone também.
Um dia perguntei a ele: e quando vamos nos encontrar? Eu acho que já posso brincar de médico. Ora, quando você estiver bem (eu andava muito doente) e não sarava nem a pau. Na minha última internação, ele me participou que íamos viajar. Aleluia, pensei!
Ele então me perguntou: praia ou serra? Eu amo mar, mas na minha idade começar um namoro no mar é complicado, pensei. O corpo já não tem nada de bonitinho, muito menos de engraçadinho. Claro que eu falei serra. Mas eu não gosto de serra, não.
Buenos helo
Aí eu dizia pra ele: olha só, João, eu comprei umas embalagens lindas de morrer, porque o corpo já está avariado. E ele dizia, para com isso, Helena. Mas a minha insegurança era enorme. Porque eu tive um corpo muito bonito. Mas o maldito 2016 foi tão ruim comigo que até matrona eu virei. Ano do cão! Enfim, eu contei todos os defeitos que eu tinha no corpo. Não deixei escapar nenhum. Na minha cabeça, a coisa era mais ou menos assim: eu conto todos os podres. Se ele desistir, é porque não era pra ser mesmo. Um dia pensei e verbalizei: João a gente viaja. Vai que a gente chega lá e você pensa o seguinte: putzgrila, o que que eu estou fazendo aqui? Não era nada disso que eu queria. O que você faz? Você pega a sua malinha e vai embora? Ou a gente fica amigo e sai pra passear na serra que eu não gosto, de mãos dadas e cantando, “pela estrada afora nos vamos juntinhos levar esses doces para os nossos vizinhos…(?). Bom, falei mais um monte de merdas que ele nem ouvia, e se ouvia, não dava a mínima bola.
Houve uma torcida do baralho, pra gente se dar bem. Foi desde o porteiro do prédio, o que fica na parte da manhã, até o porteiro que fica até às 22h. Passando obviamente pela minha família e o cabeleireiro. Ah, e chegou, lógico, às minhas filhas e ao meu psiquiatra, que me perguntou se eu iria transar. Eu disse que não. Que eu pretendia passar uma semana olhando pra cara do João. Aí, ele morreu de rir e me deu uma série de orientações, que eu passei para o João e seguimos à risca.