Chaplin foi o grande cineasta para Paulo Emílio
Livro publicado pela Companhia das Letras traz textos de um dos maiores nomes do pensamento cinematográfico brasileiro: Paulo Emílio Sales Gomes
Por Luis Fernando Pereira
Paulo Emílio Sales Gomes era daqueles críticos de cinema que são raridades hoje em dia, sobretudo em um momento onde os suplementos culturais dos grandes jornais estão sistematicamente sendo extintos ou com seus espaços diminuídos. Paulo, nascido em 1916 e falecido em 1977, refletia o cinema, cineastas e escolas cinematográficas, e não apenas filmes, como hoje em dia é quase uma regra nos jornais impressos e nos grandes portais.
E com um material tão rico e vasto, era mais que normal que em algum momento este conteúdo fosse formatado em livro e publicado para que muitos cinéfilos (não somente cinéfilos) apreciassem sua tão prazerosa escrita. A Companhia das Letras lançou bem recentemente a antologia O Cinema no Século, organizada por Carlos Augusto Calil e que traz uma coleção de textos críticos de Paulo Emílio escritos ao longo de sua vida cinematográfica.
O livro, com pouco mais de 600 páginas, traz um importante panorama do que foi o cinema moderno, preenchido por cineastas como Chaplin, Fellini, Eisenstein, Orson Weles e muitos outros. Paulo Emílio discorre sobre quase todos, sempre os colocando dentro de um quadro mais amplo, o do cinema propriamente dito, e não somente com a perspectiva de suas obras.
Chaplin
Sobre Chaplin, o seu preferido, ou um dos preferidos, Paulo Emílio esboça quase que um raio-x do espírito do trabalho deste gênio do cinema mudo. Paulo Emílio diz em certo momento,
“… Chaplin satisfez simultaneamente a sensibilidade ainda mal saída do século XIX e a que procurava definir a fisionomia do século novo. Os 1800 prolongaram-se até 1914 e foi durante a Primeira Guerra Mundial que Chaplin floresceu” pág 37.
Sua leitura, além de fundamental para compreender um pouco mais do desenvolvimento do cinema ao longo das décadas, é uma ótima ferramenta para entrar no universo político brasileiro e mundial neste tempo. Paulo Emílio era um ser político e como tal refletiu também todos os acontecimentos importantes ao longo de sua vida, desde as guerras mundiais até os problemas brasileiros durante as décadas de opressão. Vê-lo construir este diálogo entre o cinema e a história é das melhores funções que a Antologia traz aos futuros leitores.
Se o material escrito por Paulo Emílio já é rico por definição, o prefácio e o posfácio, escritos por Carlos Augusto Calil e Bernard Eisenschitz, respectivamente, são textos que ajudam e muito a entender um pouco do que foi Paulo Emílio Sales Gomes. Calil, logo na introdução, descreve Paulo como “Precoce militante político, historiador, crítico, fundador da Cinemateca Brasileira, professor… escritor de vocação…” pág. 11.
Capa de O Cinema no Século
Percebe-se tão logo que o universo de Paulo Emílio é rico, pois não temos aqui a visão de um crítico de cinema somente. Seu olhar aguçado sobre a sétima arte é decorrência de sua trajetória de vida plural, onde o cinema se torna um eixo que dialoga com o mundo. Como o próprio Calil diz mais tarde, ele se interessava pelo cinema porque o cinema interessava toda a gente.
Do posfácio, fica o relato de alguém que o conheceu através de seus livros, e ficou, como muitos outros, encantado com a estrutura de seus textos. Em determinado instante Bernard diz,
“… Sales Gomes escreve resolutamente em primeira pessoa. Não hesita em mencionar suas lembranças, sua subjetividade, desde que façam sentido: é testemunha sem nostalgia desta história e desta arte.” pág. 585.
Orson Welles
Outro ponto marcante da Antologia é a parte dedicada ao cineasta de vanguarda Orson Welles. Entender para onde vai o cinema é tão importante quanto compreender o cinema enquanto arte. E Welles foi destes cineastas que criou tendência, que mostrou ao mundo o que seria o cinema nos 20, 30 anos seguintes. Sua importância pode ser comparada com a que Eisenstein teve para a técnica cinematográfica um pouco antes, com os seus planos inovadores, que marcaram época e indicaram tendência.
Nada disso passou sem deixar marcas no crítico Paulo Emílio, que fez questão de externar, muitas vezes em textos para o jornal Estado de São Paulo, toda a sua admiração e busca por compreensão de cinemas e cineastas tão emblemáticos para a história desta arte. E, tendo como base essa coleção de artigos, podemos afirmar categoricamente que seus textos são tão ricos quanto às próprias histórias construídas por tais cineastas.
O Cinema no Século é uma Antologia das mais funcionais, relevantes e gostosas de ler. Um admirador da sétima arte certamente ficará em êxtase em alguns momentos desta coleção de textos, sobretudo quando perceber que, mesmo sendo um recorte de textos, o livro traz um fio condutor que é bem definido, e que ao fim demarca e apresenta uma linha bem concisa do que foi o cinema desenvolvido, pensado e construído ao longo de algumas das mais importantes décadas do século XX.
Paulo Emílio Sales Gomes não somente contribuiu para o nascimento de muitos outros críticos, como certamente fez a vida de muitos cinéfilos um enorme paraíso cinematográfico. Merece uma leitura atenta.
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Luis Fernando Pereira é crítico cultural e editor/administrador do site