Coluna de Helena Prado sobre tudo que o universo pode oferecer; um espaço para contos, crônicas, textos, relatos…
Psiquiatra, o retorno
O psiquiatra também é filho de Deus, embora muitas vezes pareça ser filho de uma boa mãe. Em qualquer das hipóteses, ele tira férias para descansar dos malucos que atende. Ele chega descansado e seus pacientes furibundos, ensandecidos, subindo pelas paredes e esperando indóceis pelo atendimento.
Percebe-se na sala de espera o grau de demência de seus pacientes. Eu adoro decifrá-las.
Como de costume, chego antecipada. E logo observo um maluco, que finge que lê um livro, mas olha de soslaio para mim algumas vezes. Na verdade, todas as vezes que olhei para ele, ele estava olhando para mim. Noto que é sistemático. Não me perguntem por quê. Ombros baixos e estreitos, bah! Camisetinha de golinha listradinha, acanhadinha, agarradinha, tudo “inha”. Os óculos pendurados no nariz, volto a dizer, para fingir que está lendo, são redondinhos, “inhos”. Aparenta intranquilidade disfarçada de calma. Tem as pernas juntinhas, “inhas”.
Ele é um louco furioso, aposto.
Tem, marcando a página que finge estar lendo, um barbante. Nunca ninguém normal sai para comprar 20 cm de barbante para marcar as páginas do livro que não lê. Aliás, o livro que ele não lê, que eu não posso revelar, faz-me crer que ele se comunica com um outro mundo. Deve ouvir vozes. Bingo!
E por que eu não posso revelar o nome do livro que ele está lendo?
Porque não gosto de me meter onde não sou chamada.
Outra maluca chega e cisma que tem um bicho perto da janela. Um bicho preto que quando pica dói. Pica dói? Tem medo de ir fechar a janela, mas está muito incomodada. Uma senhora, que percebe o medo da jovem, oferece-se para fechá-la.
Einstein: gênio ou louco? Ou os dois?
E quem será esta senhora tão linda e gentil? O que ela estará fazendo naquela sala de tresloucados? Observo seu bom gosto: é chique e parece ser normal, ou, no máximo, deve ter alguma depressão já na fase remissiva. Também ela pode estar esperando algum maluco terminar de ser atendido.
Eu voltei completamente normal ao consultório do meu psiquiatra depois das férias. Dele. Porque eu não pude tirar férias. Por causa de um sacana. Mas deixa para lá.
Fiz as unhas na recepção porque elas estavam horrorosas. Local apropriado? Lógico, como digo sempre, o importante é eu ser feliz.
Mas, apesar de estar completamente mansa, detestei ver, de longe, um drogadito sentado na “minha cadeira”. Depois de tantos anos frequentando e dividindo o mesmo consultório, como ele, o drogadito, não se ligou que aquela cadeira é “minha”? “Inha”!
Cheguei nele e falei: ô, meu, tá ligado? Ele: ado?
Aos 17 anos publicava minhas crônicas no extinto jornal Diário Popular. Foi assim e enquanto eu era redatora do extinto Banco Auxiliar, um porre! Depois me dediquei às filhas. Tenho duas, Paola e Isabella. Fiz comunicação social. Mas acho mesmo que sou autodidata. Meu nome é Helena e escreverei aqui às quartas-feiras.