Literatura

Que enorme vontade eu tenho de viver num mundo bem melhor do que temos hoje

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“Sonhadores são poucos entre todos, mas acredito que estejam embernando em seus casebres imundos.”

Por Elenilson Nascimento

Quando eu era mais novo, ficava imaginando com seria bacana morar no mundo da música “Giz”, do Renato Russo: “Desenho toda a calçada/Acaba o giz, tem tijolo de construção/Eu rabisco o sol que a chuva apagou…” Com o tempo, percebi que eu e quase todos os brasileiros que conheço somos descendentes de uma gente pobre, faminta, esfarrapada e discriminada que, como as centenas de africanos que naufragaram no Mediterrâneo neste fim de semana e/ou os cristãos que estão fugindo de suas terras (*Por que estão matando tantos cristãos e o mundo está em silêncio? Será que esse genocídio será permitido no mundo moderno?) por causa da burrice e intolerância do Estado Islâmico, mudando de País em busca de oportunidades.

Mas, talvez por isso, ainda busco o “giz” para mudar a situação dos meus naufrágios e a situação de todos os sobreviventes do meu País. E, talvez, por isso eu escrevo… Então o eu-autor paga três, cinco, dez mil reais para ter seu livro impresso, e termina com sua casa atulhada de exemplares, pois não consegue comercializá-los e/ou porque as pessoas continuam comprando livros pela quantidade de propagandas em revistas semanais. Sacanagem, né?

Em qualquer lugar do mundo, basta duas ou três gerações para a família de imigrantes (ou não) deixar a pobreza. Italianos e japoneses eram chamados de raça inferior no Brasil há um século, assim como judeus e sikhs na Inglaterra. Nos Estados Unidos, anúncios de emprego levavam a sigla NINA – no Irish need apply, “irlandeses não devem se candidatar”. Hoje todos esses grupos – italianos e japoneses no Brasil, judeus e sikhs em Londres e irlandeses americanos – estão entre os mais ricos de seu país. O mesmo aconteceria com os africanos que tentam entrar na Itália, se os governos deixassem. E o que acontece com alguém que quer ganhar a vida escrevendo? No caso de ser brasileiro a coisa piora três vezes mais.

Lembro do livro pouco lido de Lima Barreto, “Clara dos Anjos”, que centraliza toda a sua crítica social na questão do racismo, no problema da educação familiar e no abandono das famílias suburbanas pelas instituições. Já em “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” (*uma crítica bem humorada da República Velha, dos militares no poder e da política nacional), Lima – um autor rejeitado e que morreu na miséria – narra a trajetória de um patriota ímpar, que causa estranheza nas pessoas pelos seus ideais e coragem.

O fato é que o amor de Policarpo pelo Brasil pode até parecer extravagante, mas é nobre e altruísta: tanto o é que, após uma internação como louco, toma rumo de sua vida e, num sítio, dedica-se à agricultura, com a enxada no braço, no intuito de, pelo exemplo, fazer progredir as terras do mesmo País que o desvaloriza.

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E pelos quatro cantos desse Brasil, surrupiado por políticos, sempre vão existir os sonhadores Amazoninos Mendes. No Acre, os Vianas, Em Roraima, os Jucás. Em Rondônia, os Capibaribes, No Pará, as Carepas. No Maranhão, os Sarneys (?). No Piauí, os Fortes. No Ceará, os Gomes, os coronéis. No Rio Grande Norte, os Maias, os Alves. Na Paraíba, os Cunhas Lima, os prepostos de José Maranhão, inclusive o próprio, que jamais larga a teta.

E em Pernambuco, gente como os Campos, os Arraes. Na Bahia, os Magalhães (com suas empresas de comunicação para continuar no poder), no Tocantins, os Sirqueiras Campos e seus prepostos. Em Goiás, os Perillos, os Rezendes. Já nas Minas Gerais, os herdeiros de Tancredo Neves- inclusive o Aécio, que ainda não sei para que veio. No Mato Grosso, os Zecas do PT, os Pucinelli. No Mato Grosso do Sul, os Tebet, os Pedrossians.

Em São Paulo, os Malufs, os Covas, os Alkmins – com a corrupção encravada na pele. No Paraná, os Requiões, os Richas. No Espírito Santo, os Hartungs, os Casagrandes. Em Santa Catarina, os Amin (quando não vai a mulher, vai o marido). E no Rio Grande do Sul, os Rigottos, as Crusius. Mas se por um acaso deixei de lembrar algum Estado da Federação, mas, não tem “boquinha”, como se diz no vulgo, alguma família domina o cenário político e se reveza todo ano, inclusive pelo interior do Brasil, o que é uma lástima.

Sonhadores são poucos entre todos eles, mas acredito que estejam embernando em seus casebres imundos. Economistas estão cansados de dizer que a imigração, tanto de trabalhadores bem escolarizados quanto a dos miseráveis para trabalhos que ninguém quer fazer, traz um punhado de benefícios para os recém-chegados e para os anfitriões.

E em um tempo em que todos nós tentamos ser revolucionários de nossas próprias vidas, seja nas redes sociais ou nas ruas, seja nas salas de aula ou num trabalho massante, é bom relembrar, por exemplo, da história de Tiradentes. O Joaquim José da Silva Xavier da imagem que aparece hoje nas novas (?) moedas de 5 centavos, que foi um dos líderes da Inconfidência Mineira, um movimento que queria libertar o Brasil de Portugal e instalar a República e mais liberdade por aqui.

Lá no final do século XVIII, durante o ciclo do ouro, os inconfidentes se revoltaram com o abuso político e econômico de Portugal – bem semelhante com o momento que estamos vivendo hoje. Mas, depois de uma traição, Tiradentes foi preso e levado à forca após todo o seu grupo de revolucionários ter sido delatado. Como as coisas nesse País demora mais do que o normal: a Proclamação da República só ocorreu 100 anos depois.

Mesmo com o fracasso total, a Inconfidência virou símbolo de luta pela independência e liberdade. Imagine vocês que o fruto desta mesma liberdade que usufruímos hoje para manifestar por tudo que achamos justo (*mesmo que o Google delete blogs e sites a mando do governo) foi plantado lá atrás. Mas, infelizmente, as coisas nesse País não andam tão libertárias assim. E muitos estão indo embora, pois, talvez, imigrantes possam criar mais empregos do que preencherem, se deslocam com facilidade para áreas com mais trabalho, pagam mais impostos do que custam para o Estado em bem-estar social e contribuem para a sua própria autonomia. E eu ando pensando seriamente em imigrar. Imigrar pra bem longe, com “giz” nas mãos e minhas ideias na cabeça.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina.

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