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Remake de Selva de Pedra: uma das mais esperadas reprises retorna

Selva de Pedra no VIVA

Era 1986. Eu estava na plenitude da minha adolescência, cursava o Ginásio (hoje, chamado de Ensino Fundamental II) e vivia o início do fim da ditadura militar. Na televisão, era fevereiro e tínhamos acabado de presenciar – e acompanhar – o fenômeno televiso chamado Roque Santeiro, uma das novelas de maior (se não maior) sucesso da Rede Globo.

A grande maioria dos telespectadores de telenovelas estava se sentindo órfã: Roque Santeiro tinha terminado! E como essas pessoas iam conseguir viver sem a presença de criaturas como a Viúva Porcina, Sinhozinho Malta, Dona Pombinha, o Professor Astromar – que, nas noites de lua cheia, virava lobisomem -, e tantos outros personagens inesquecíveis criados por Dias Gomes e muitíssimo bem desenvolvidos por Aguinaldo Silva?  Eu, contudo, apesar de ter amado e, já naquela época, ter entendido que Roque Santeiro estava se consolidando como um marco na história da TV brasileira, eu me sentia não só feliz, como muito, muito ansioso: a próxima novela das oito (no século passado, ainda era “a novela das oito”) era a regravação de um dos maiores sucessos de Janete Clair: Selva de Pedra.

Muito antes de 1986 eu já era um apreciador das telenovelas brasileiras – e, graças a Deus, sou e defendo a telenovela até hoje -, e Janete – que havia partido em novembro de 1983 – era a minha autora predileta. Tinha visto uma reprise de Irmãos Coragem, acompanhei os maravilhosos dramas O Astro e Pai Herói, gostei muito de Coração Alado e não desgrudava os olhos da trama espírita (quando novela espírita ainda não tinha virado moda) Sétimo Sentido. Todas essas tramas escritas por Janete Clair, sem parceiros nem colaboradores, diga-se de passagem.

Não tinha visto Selva de Pedra. Mas conhecia a trama de ambição e vingança que fez a novela fazer um estrondoso sucesso no início da década de 70. E, ao saber que seria essa trama a substituta de Roque Santeiro, não me contive de alegria e ansiedade, pois era a chance de eu conhecer – de fato – os tão famosos Cristiano Vilhena, Simone Marques – que também era Rosana Reis – e a mais esperada por mim: Fernanda. Alegria e ansiedade que aumentaram quando soube que minha atriz predileta, na época, e até hoje, Christiane Torloni, faria a antagonista de Selva de Pedra. Eu já sabia que Dina Sfat havia defendido Fernanda na primeira versão, e sempre ouvi maravilhas da atuação dela. Então, para mim, não havia outra atriz, que não fosse Christiane, para interpretar a Fernanda Arruda Campos da segunda versão: a única que daria com veracidade a força que a personagem Fernanda tinha – um personagem inicialmente do bem, que acreditava no amor, mas que, ao ser abandonada no altar vai, gradativamente, enlouquecendo e transformando a vida da protagonista Simone num inferno.

O remake estreou em fevereiro de 86 e levou seis meses no ar. Roque Santeiro havia levado mais tempo. Contudo, seis meses era e, de certa forma, ainda é, o tempo que uma novela fica no ar.

Selva de Pedra – ao contrário da primeira versão – não foi um sucesso. Teve audiência, mas um número que se distanciava muito da sua antecessora. Contudo, continuava sendo uma grande trama, com todas as reviravoltas que só uma Janete Clair conseguia impor às suas tramas, com direito a morte da protagonista num acidente de carro e, tempos depois, ela voltar com outro nome e sendo uma grande artista plástica de fama internacional. A atualização do remake era de Regina Braga e Eloy Araújo, mas a essência de Janete esteve presente durante toda a trama.

E, curiosamente, mesmo não tendo sido um campeão de audiência, esse remake sempre foi uma das telenovelas mais pedidas para reapresentação. E nunca a Rede Globo a reprisou no programa Vale a Pena Ver de Novo.

Surge o canal pago VIVA e novamente o remake de Selva de Pedra passa a compor todas as listas de desejos de reapresentação, por parte dos telespectadores do canal. Até Porto dos Milagres, de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, outra trama que também ensaiou uma reprise – que nunca aconteceu – nas tardes da Globo e era, também, alvo do desejo do público do VIVA, foi reprisada antes de Selva de Pedra. Na verdade, ambas estão sendo exibidas no canal: Porto dos Milagres, entrando na reta final; Selva de Pedra, chegando à sua terceira semana de exibição.

A questão então que surge é: vale a pena ver de novo Selva de Pedra, a de 1986? Tendo sido ela uma produção que ficou muito aquém da antecessora Roque Santeiro e que teve um sucesso de público menor ainda do que suas sucessoras como, por exemplo, Roda de Fogo (sua substituta imediata), ou a para lá de mediana Mandala ou o estrondoso sucesso Vale Tudo?

Vale, sim. Vale muito a pena.

Primeiro porque temos personagens com uma carga dramatúrgica riquíssima.

O Cristiano Vilhena, por exemplo. Muitíssimo bem interpretado por Tony Ramos, temos um personagem que, no início da trama, é um tocador de bumbo que vive acompanhando a família, que prega, na praça da pequena cidade do interior, onde vive. O desprezo e o descontentamento desse homem com a sua vida – e com a vida que sua família leva – é evidente na atuação de Tony, desprezo e descontentamento esses que só não são maiores do que a ambição que ele tem, ambição esta que fará (junto com uma morte que ocorre nos capítulos iniciais) com que ele saia da pequena cidade para tentar ser rico na cidade grande, a chamada selva de pedra, onde cada um tem que fazer de um tudo para sobreviver. E ele enriquece, quando assume um cargo importante no estaleiro do tio Aristides Vilhena, que foi interpretado pelo saudoso Walmor Chagas.

Curiosamente, Cristiano Vilhena pouco (ou quase nada) é lembrado como um significativo personagem de Tony Ramos.

Selva de Pedra no VIVA

A esse rico personagem, podemos juntar Fernanda e Miro, dois personagens inicialmente até simpáticos (Miro, em minha opinião, não tanto, mas fez sucesso de público) que, com o avançar da narrativa, optam por caminhos que os levam a uma vilania capaz de mortes muito bem arquitetadas, sequestros e maravilhosos planos de vingança. Christiane Torloni e Miguel Falabella, como Miro, deram um show. E esses sim, até hoje, são merecidamente lembrados por esses papéis. A Fernanda dela, então, quando fica louca, roubava absolutamente todas as cenas: era o melhor a ser visto naqueles capítulos!

É interessante, também, rever a grande dama Nicette Bruno fazendo um papel bastante diverso dos que ela está habituada a fazer na Rede Globo. Em Selva de Pedra, ela faz a Fanny, a dona da Pensão Palácio, onde vive Miro e onde também Cristiano se hospeda, ao chegar ao Rio de Janeiro, uma mulher de meia idade, ex-vedete que, apesar de toda alegria que emana traz, consigo, a amargura de não ser – ou não se sentir – amada.

Contudo, apesar de ter feito uma excelente Simone e, posteriormente, Rosana Reis, essa foi a última novela a ser feita por Fernanda Torres e, de 1986 para cá, vez ou outra, em entrevistas, ela diz sobre o desprazer que foi passar seis, oito meses, sendo a mocinha sofrida, que ela não conseguiria mais fazer novelas (e, de fato, nunca mais fez!) e que sua atuação como a protagonista de Selva de Pedra não foi um dos seus melhores momentos como atriz.

Particularmente – e, ainda mais, vendo a novela hoje – eu acho que Fernanda não está totalmente certa nessa opinião a respeito do seu próprio trabalho nessa telenovela. Pois Simone é uma personagem forte, muito bem resolvida pessoal e profissionalmente, um tanto quanto romântica – sim! – mas firme e ciente do que quer e, principalmente, do que não quer, como nos vários momentos em que bate de frente com o assédio do personagem Jorge, ou nas constantes cenas em que ela, aparentemente, deixa-se vencer pelo insuportável machismo do já então marido Cristiano Vilhena. E Fernanda Torres conseguiu passar com maestria muitas dessas características do personagem Simone.

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Porém, quando falamos da segunda versão de Selva de Pedra é obrigatório falarmos das músicas que fizeram parte daquela trama e que não paravam de tocar nas rádios no ano de 1986. Músicas, inclusive, que são lembradas – e tocadas – até hoje! Como esquecer da deliciosa Perigo, na voz de Zizi Possi, que tocava a cada segundo que Fernanda Arruda Campos estava em cena e que embalaria o flerte entre Fernanda e Cinthia (Beth Goulart), flerte – e romance – que não foi em frente devido à censura que ainda era forte, à época? Ou a triste e maravilhosa Demais, com Verônica Sabino, ou Broken Wings, também da personagem Fernanda, ou a chaterríma Yes, de Tim Moore? Era 1986 e todas essas músicas eram tocadas à exaustão nas rádios FM.

Trinta e três anos se passaram e é óbvio o estranhamento – pelo menos, o meu! – quando vemos algumas cenas, algumas situações descritas/narradas nesse remake. A quantidade, por exemplo, de pessoas que fumam, a cada capítulo, em especial, muitos personagens femininos, é imensa. As passagens homofóbicas, também, não são raras, e o explícito texto em que, muitas vezes, personagens masculinos – e, pasmem, femininos – afirmam, categoricamente e orgulhosamente, que o homem é, e deve ser sempre, superior à mulher. Fora a quantidade de cenas em que mulheres recebem, muitas vezes do nada, um tapa na cara dado por um homem…! Contextos que – graças a Deus – diferem muito das produções televisivas de hoje.

Mas, ainda assim, e até para analisarmos certos contextos passados, Selva de Pedra merece ser vista/revista, nem que seja para vermos que artistas como Miguel Falabella, Torloni, Tony Ramos, a própria Fernanda e uma Deborah Evelyn – num papel diferente de todos que ela fez antes e nos anos seguintes à Selva de Pedra – já eram atores/atrizes maravilhosos (as) e que, mais de trinta anos depois, só se aprimoraram, só melhoram, e que continuam a nos oferecer trabalhos de atuação da mais pura excelência.

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