O autor, Fernando Paiva.
A comparação pode soar clichê, não é nada genial, mas é impossível não fazê-la. Se Manoel Carlos, autor de novelas da Rede Globo, tem a sua “Helena” como protagonista de todas as suas histórias, Fernando Paiva, escritor, músico e jornalista carioca, tem a sua “Madalena” como eixo central de quase todos os contos do seu último livro.
Em “Depois Que o Tempo Passar, Madalena“, 2016, Editora 7 Letras, Paiva lança 13 contos, escritos entre 2011 e 2016, que embora abordem uma variedade significativa de temas, possuem alguns interessantes elementos de comunhão.
O primeiro e mais óbvio deles, como já dito acima, é a presença de alguma personagem chamada “Madalena”, seja na história de um premiado roteirista de cinema, passando por uma assassina de banqueiros de um futuro distante ou na vida de uma travesti afegã em Berlim, quase todos os contos possuem uma Madalena como elemento chave de sua engrenagem. As Madalenas são múltiplas, distintas, se reinventam, se desdobram, mas são sempre Madalenas.
Outro ponto central dos contos é a passagem do tempo, longa passagem do tempo. Vidas inteiras são resumidas com maestria em 10, 8, ou até mesmo 3 páginas apenas. O tempo atua como fio condutor, é o grande protagonista do livro. O leitor se prende a uma narrativa que desemboca em uma espécie de biografia ou obituário dos personagens. Pedro, Ricardo Romillo, Farbento Silva, Marcelo, Bakur Kanskofre, Miguel, Arildo, e, é claro, Madalenas. Personagens de contos distintos que o leitor acompanha pelas fases das suas vidas. Do ápice à decadência, não necessariamente nesta ordem.
Mas ainda há um terceiro elemento. Quem já assistiu Black Mirror, aclamada série britânica da Netflix, ficará curiosamente surpreso com as semelhanças entre o livro e a produção televisiva. E olha que muitos destes contos foram escritos antes da série. Em algumas histórias, temos a clara sensação de estarmos lendo um roteiro de algum episódio pensado por Charlie Brooker.
Paiva aborda um futuro distópico, repleto de inovações tecnológicas: mapa genético personalizado, chacri tois, Katimai, pílulas de Gomin, arqueólogos do futuro e etc. Os carros já andam sozinhos, as prisões ficam a 1000 metros abaixo da terra, os pobres também moram embaixo do solo, microprocessadores e transplantes epidérmicos permitem as pessoas uma vida eterna. Um futuro onde a busca pela perenidade parece ter chegado ao fim. Pessoas vivem 300, 400, 500 anos. Mas isso não é necessariamente algo positivo. A Terra? Bem, virou tema dos livros de história e um perigoso destino turístico para os que ousam se aventurar em viagens clandestinas durante os cada vez mais raros intervalos das temporadas de raios.
Depois Que o Tempo Passar, Madalena é mais uma prova da ótima leva de escritores brasileiros, especialmente quando se trata de crônicas e contos. Um obra de visual acanhado, corpo simples, mas de extrema riqueza em sua forma e conteúdo. Em tempos onde a pressa parece ser nossa mestra, onde fazemos mil coisas ao mesmo tempo e ainda reclamamos das poucas 24 horas de um dia, um livro de contos curtos parece ser uma ótima pedida.
Livro: Depois Que O Tempo Passar, Madalena
Autor: Fernando Paiva
Editora: 7 Letras
Ano: 2016
Páginas: 102
Preço: R$ 34,00
Avaliação do Cabine Cultural: 9,0
Pedro Del Mar, baiano, 25 anos, repórter e colunista. Um curioso nato que procura enxergar o mundo sem as velhas e arranhadas lentes do estabilshment. Acredita que para todo padrão comportamental há interessantes exceções que podem render boas histórias.