Literatura

Sexo e as Negas: série da Globo refugiada num humor raso

Sexo e as negas – Divulgação

“As personagens de Falabella se arrastam muito pouco presunçosas na labareda do sexo sem qualquer pudor e ideologia…”.

Por Elenilson Nascimento & Anna Carvalho*

O programa Sexo e as Negas (Globo) surge, nesses tempos de comodismo intelectual, como uma paródia do mais do mesmo em que um gênero é perversamente insuflado pelo humor raso que não pode se restringir ao politicamente correto, lembrando aqui de gente como Jerry Lewis, Os Trapalhões, de Molière (nos seus discursos de pândegas), da crítica social sob o alabastro da metáfora, de gente que abstraia de uma época em que o pensamento de ferro aprisionava, onde eles capturavam o riso alienante em seus programas que, hoje , temos as mesmas prisões de pensamento onde estamos sendo relativizados numa política passional sem racionalismo, pois o perverso do politicamente correto nos atinge com seu coldre.

O autor, escritor, ator e diretor da série “Sexo e as negas”, Miguel Falabella, já saiu comentando que esse seu novo trabalho tem sido boicotado pela mídia e pelo público – tem até comunidade no Facebook – por mostrar uma temática de pessoas negras, por isso, na visão dele, não são publicadas tantas matérias sobre a produção. Mas o problema principal de “Sexo e as Negas” não é só a falta de matérias exaltando o valor da obra, mas o oposto. Antes mesmo de estrear, o programa já vinha sofrendo duras críticas das entidades de Movimentos Negros por todo o país porque, segundo elas, ajudaria a disseminar ainda mais o preconceito contra as mulheres afrodescendentes.

Mas a sociedade brasileira, nunca acostumada a pensar por si mesmo, desistiu de ser democrática e hoje se reserva numa tendência socialóide em seus universos de consumo, de baixo estima, de perversividades, taxando sempre os outros que divergem de si mesmos, de anacrônicos, imbecis ou mesmo censurando até os bedéis de sua própria censura. Numa sequência de “Sexo e as Negas” que repercutiu muito na internet, por exemplo, dois personagens estão fazendo sexo. Nada mais do que comum nos dramalecos das produções atuais. Contudo, conforme o ator se aproxima da parceira de cena, aparece na tela algo semelhante a um pênis. E isso já foi o suficiente para internautas acionarem o Ministério Público. Recentemente, o ator Rafael Zulu revelou que a diretora Cininha de Paula havia solicitado o não uso de tapa-sexo para dar mais veracidade às cenas. Mas a duvida que rola: o ator pode se excitar numa cena? Óbvio que isso acontece, mas isso não está vinculado aos atores estarem com tesão ou coisa parecida em frente às câmeras. A cena pede aquela respiração, aquele posicionamento e o calor. É tudo muito real, mas profissional, disse Zulu numa entrevista.

Com o barulho inicial desde a sua estreia, o grande problema agora é que, assim como “Dupla Identidade” (série da mesma emissora, mas com uma qualidade estética e argumentativa superior), a produção de Falabella vai ao ar muito tarde. Os dois trabalhos poderiam ser melhores aproveitados se o horário das suas exibições ajudasse a causar um burburinho mais útil. Diante desse cenário aterrador, se apresentar o construtor feminino copiado do filme americano “Sex And The City”, vindo de uma série que trata da vida de uma escritora rica, com suas amigas ricas, numa sociedade narcisista e rica na década de 90 e que, depois que a mulher descobriu seu falo no mercado de trabalho, deita sozinha na cama por falta de amor, artigo de luxo para mulheres que ousaram evoluir, pensar, dominar, não transigir.

Amaurih Oliveira

Se o cenário de “Sex And The City” é dantesco para o consumo de gente que compra porque não se enxerga em sua ilha temática: rico, fútil, pragmático, anatômico para uma sociedade que consome tudo menos o amor, por isso transam, em “Sexo e as Negas”, uma camareira, uma recepcionista, uma desempregada e uma cozinheira mostram justamente o oposto, o que acabou gerando protestos de mulheres intelectuais, artistas e donas de casa que simplesmente não se sentiram representadas na série da Globo.

Antes havia uma “Malu Mulher”, divorciada numa época em que casamentos ainda eram ladrilhos de casas mal elaborados no construtor feminino porque eram eminentemente patriarcal, que recebia, desse senhor feudal, um tapa na cara e dizia: ”Bate, bate…” para que o marido se arrefecesse no seu intento. Mas hoje as personagens de Falabella se arrastam muito pouco presunçosas na labareda do sexo sem qualquer pudor e ideologia, e esse é o grande pecado do autor, porque encarcerou as personagens na favela, não as nutriu de liberdade enquanto veículo de cidadania, não as dotou de um discurso de big Apple, pois elas são uma espécie de souvenir da série americana trajada para o Saara carioca.

TEMPERO BAIANO – No último episódio, exibido no dia 25/10, tivemos a presença do ator baiano Amaurih Oliveira – ganhador do Prêmio Braskem 2014, além de um dos artistas principais no filme “Irmã Dulce”, dirigido por Vicente Amorim, com estreia prevista para 27/11, representando um enfermeiro numa cena com um teor sexual explícito e desnecessário. Já a atriz Maria Bia, uma das protagonistas da série e que protagonizou as cenas tórridas com Amaurih, afirmou que ficou assustada com a polêmica que tomou conta do seriado, acusado de racista e sexista. Mas esse impasse não se resolve, pois quando o autor ilustra ou quando ele também executa o trajeto do discurso do poder e prega as suas mulheres negras na senzala, num prostíbulo tão cruel quanto bem humorado, ele revela uma face da atual dramaturgia brasileira: pobre e arrogante.

Confira aqui a participação do ator baiano Amaurih Oliveira em Sexo e as Negas

Em suma, quem escreve essa matérias são duas pessoas que aprenderam a recomeçar a vida todos os dias, depois dos trinta, de novo e de novo, vendo o mundo que sonhavam numa espécie de Oblivion cerebral da década de 90 e se transformando numa quitanda de pós-modernidade, pois não evoluímos, esgotamos os nossos conceitos e nos encarceramos em outros. Mas, ainda assim, Miguel Falabella, outrora autor interessante, lança “Sexo e as Negas”, com mulheres negras protagonistas num país que foi o último a abolir a escravatura, que se refugia no humor raso, onde a sua incapacidade pensante e analítica que se divide num país burro, acéfalo e num outro que cisma em pensar diante de sua intolerância.

A série de Falabella não é boa, mesmo que ele tente inserir na normalidade do seu gênero as mulheres que exibem seu falo, transando, exibindo seu direito de caça, dando adeus ao estigma de presa, mas que cai num pecado da caricatura, pois Falabella é meio teatro de revista. Mas vimos uma tentativa de colocar seu discurso na ilustração da pachorra numa alusão a Xica da Silva, mas foi só tentativa, porque o seriado é tosco porque não cabe, porque se enviesa num discurso pouco sério, mais localista do que em reparação. E a mulher negra nas senzalas não tinham direito ao seu hímen, ao seu filho, aos seus seios, ao seu universo emocional. E parece que continuam não tendo.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Culturale possui o excelente blog Literatura Clandestina

*Anna Carvalho é professora e escritora.

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