Siré Obá
O desejo parece mesmo o de uma afirmação de igualdade, marcada pela terra, pelo pó, pelo nascimento impessoal que torna o homem único, só pele, só alma, só olhar, sem diferenças
Por Cristiana de Oliveira
Um bem-vindo à festa do Rei, num lugar inusitado, marca a abertura do espetáculo SIRÉ OBÁ que se configura como um grande culto aos Orixás. Assumindo uma posição bem intimista, onde os atores através do olhar e mesmo do toque interagem o tempo todo com a plateia, o espetáculo traz ao ambiente na iluminação e no cenário algo que faz isso se mostrar de maneira pungente. O espaço escolhido parece contribuir com essa missão e faz com que os espectadores se sintam parte dessa grande celebração. Os relatos míticos do nascimento da humanidade, da criação do homem, da gênese do pó, intercaladas com frases em yorubá, dão à encenação o ar de herança ancestral de existência também contemporânea.
Os sonhos de uma mãe ou os desejos de uma avó que abraça no banho da manhã, trazem às almas, sobretudo as de “carne escuramente acesa”, a vontade de luta, a vontade de vencer e a tez agradecida aos Orixás, a Yemanjá, que aparece no meio da apresentação como uma ode ao feminino que gera. Personagem saído da platéia, interação dos atores com o público, o som dos tambores, da música, da dança são a moldura louvável de todo o espetáculo.
O desejo parece mesmo o de uma afirmação de igualdade, marcada pela terra, pelo pó, pelo nascimento impessoal que torna o homem único, só pele, só alma, só olhar, sem diferenças.
Assim, o espetáculo SIRÉ OBÁ é um grande protesto ao culto afro como coisa do diabo. É uma espécie de grito contra todo tipo de preconceito, de racismo, de discriminação, de respeito a todo tipo de religiosidade. Seguindo essa linha, a apresentação acaba com uma grande festa, onde platéia e atores podem enfim se mostrar como um só, sem perder o mote de agradecimento à divindade Rei, como numa festa Siré Obá. Se você tem uma alma desprovida de preconceitos, contemple.
Cristiana de Oliveira
Cristiana de Oliveira é professora universitária, crítica cultural e editora do site