Crítica

Teatro: crítica A Caixa não é de Pandora

A Caixa não é de Pandora – Divulgação

Um espetáculo instigante, relevante, mas acima de tudo, bem escrito e executado

Por Cristiana de Oliveira

É num contexto marcado por uma preocupante pesquisa feita pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgada no mês passado, condicionando o estupro ao comportamento da mulher, que o espetáculo A Caixa não é de Pandora ganha ainda mais importância e sentido. O monólogo, escrito pela atriz Andrea Elia em parceria com Elísio Lopes Jr, que entrou recentemente em cartaz no Teatro Módulo, é uma verdadeira ferramenta de reflexão e contraposição ao status quo já estabelecido há tempos.

O texto discorre de forma irônica e inteligente sobre os estereótipos e rótulos em que a mulher nasce e se molda numa sociedade conservadora onde um discurso hegemônico se solidifica, inclusive, nos pequenos gestos da própria mulher.

Assim, a primeira peculiaridade do espetáculo reside justamente em sua estrutura textual, dramática, não tão comum para a cena teatral baiana, onde os espetáculos de humor são mais produzidos e até mesmo valorizados. Talvez esse seja um dos pontos fortes desse monólogo. Andrea Elia consegue concentrar nossas reflexões da primeira frase até a última, proporcionando um crescimento gradativo e consistente de sua personagem, Pandora. Ela convida o espectador, seja ele homem ou mulher, a pensar sobre a identidade feminina em meio a um contexto sócio-histórico marcado por um gênero dominante.

O espetáculo começa com uma palestra de uma escritora famosa internacionalmente, convidada para falar em uma Universidade. Esta palestra acaba por servir como instrumento catalisador de todo um discurso que brota de Pandora, trazendo à tona seus pensamentos, medos, suas frustrações e, sobretudo sua indignação por fazer parte de uma sociedade que nutre desde os seus primórdios ideias conservadoras e machistas. E como mulher, sua condição é, por muitas vezes, de sufocamento. E é bem interessante como estas situações são construídas no espetáculo.

A trama central de A Caixa não é de Pandora é inspirada no livro Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf e é uma resposta concisa a uma sociedade machista onde somente “os meninos nascem livres”. O texto traz ainda como elementos de suporte referências e citações de Clarice Lispector e Flaubert, que com sua Madame Bovary contribui para uma das sequências mais marcantes de todo o espetáculo.

Um espetáculo instigante, relevante, mas acima de tudo, bem escrito e executado. A parceria de Andrea Elia com Elísio Lopes Jr acabou rendendo um fruto que a cena teatral baiana, incluindo ai o seu público, precisa realmente digerir. Por sorte ainda dá tempo, já que o espetáculo fica em cartaz durante todo o mês de abril no Teatro Módulo.

Cristiana de Oliveira

Cristiana de Oliveira é professora universitária, crítica cultural e editora do site

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