Um Diário Especial
“Ela era linda. Pele bem clara, cabelos castanhos e olhos de um tom que jamais vi, a não ser nela e na minha avó, sua mãe, verde-azulado”
Por Helena Prado
Esta história não é baseada em fatos reais. Trata-se de fatos reais. É o relato diário da relação entre mim e minha mãe Magdala, que começa quando eu tinha dezesseis anos e ela quarenta. Eu sou Helena.
Fui uma adolescente do balacobaco. Dei um trabalho infernal pra a mamãe, que havia ficado viúva dois anos antes, e, por conseguinte, eu órfã de pai, também ao mesmo tempo.
Fiquei tão despirocada que, quando encontrei um professor particular de matemática bonito, bonzinho e carinhoso, em dois anos e meio nos casamos. Foi quando completei 19 anos e éramos duros de marré deci. Essa parte do bonzinho e carinhoso é mentira. Ele gritava à beça. Descende de italianos. Também era chato. Mas tinha um bom coração. Tampouco era carinhoso, porque estava ali pra me dar aulas e não pra me fazer carinho.
Mesmo assim nos apaixonamos. Foi um alívio pra a mamãe.
Eu era muito pentelha com ela. Ciumenta ao extremo, odiava saber que ela tinha algum fã ou que estava namorando.
Ela era linda. Pele bem clara, cabelos castanhos e olhos de um tom que jamais vi, a não ser nela e na minha avó, sua mãe, verde-azulado.
Profissão: artista plástica. Paixão: cerâmica de alta temperatura.
Eu e mamãe passamos a morar juntas de novo em 2005. Outra vez, eu estava infernal. Ela me “pegou” no auge da menopausa, com um gênio insuportável.
Eu e mamae 23 de abril no Shopping Higienopolis Eu e Paulo Casamento civil Mamae 87 anos setembro 2016 Mamae e Guilherme Pascoa 2017
Corta pra 24 de abril de 2017.
Completei anteontem 64 anos. Magdala está com 87. De dezembro para cá, por causa de um trauma que obviamente ela vai negar, engordou muito, ficou meio esquecida, deixou o gás aberto um dia. E num outro não conseguiu fechar as torneiras do chuveiro. Eu fiquei assustadíssima. Não, na verdade, eu pirei.
E ela não é dessas mãezinhas velhinhas que você tira daqui e põe ali. Ela é brava e temperamental. E só faz o que realmente quer.
Tentei levá-la ao médico um milhão de vezes, no mínimo. Tudo bem que sou exagerada. Mas tentei inúmeras vezes. E ela negou 999 mil vezes. Na milionésima, ela topou. Que alívio! Ufa!
Ele me explicou que nos idosos as infecções podem, em vez de dar febre, causar confusão mental. Mais: disse que ela está deprimida, porém absolutamente coerente. E que alguns esquecimentos são normais para a sua idade. Passou para ela tomar um antidepressivo, que muito provavelmente fará com que ela perca peso, e pediu vários exames que deverão ser feitos nesta semana. E falou pra ela procurar uma nutricionista. Comer compulsivamente é um dos sintomas de sua depressão. Há poucas semanas comprei para ela um novo guarda-roupa, inclusive sapatos. Pois suas roupas, as que ela usava até novembro do ano passado, não cabem mais nela. Ela sempre foi chiquérrima. E eu tentei fazer com que ela continuasse. Também saí ganhando. Porque herdei tudo que ela usava.
Ela já disse que não quer saber de nutricionista nenhuma. E que também não vai fazer dieta nenhuma. Por enquanto, estou obedecendo. Mais pra frente, vou eu mesma a uma nutricionista. Quem sabe eu seguindo uma dieta, ela segue também.
“Conduzir” Magdala é uma delícia! Eu amo. Aliás, eu a amo. Muito mais do que um dia eu poderia supor. Ela também, eu acredito. Mas preciso perguntar pra ela pra ter esta resposta. Tipo eu sou muito de pegar e beijar. Eu gosto com as mãos. Minha mãe gosta com atitudes. Assim, enquanto eu era criança e adolescente, nunca entendi muito bem seu jeito. Só mesmo na maturidade compreendi seu amor por mim.
Outro dia ela achou que havia perdido uma corrente de ouro. Como eu encontrei, ela tirou de seu porta-joias uma correntinha também de ouro com um pendente de um brilhante só, que ela não tirava do pescoço para nada, e me deu.
Depois que mamãe ficou como está, quando saímos, eu calço seus sapatos, ponho seus brincos e sua corrente, ou o que ele me pedir.
Foi assim ontem quando saímos junto com minha filha mais velha, para irmos ao Shopping Higienópolis, a fim de comemorar bem juntinhas o meu aniversário. Faço tudo com um prazer incrível. Eu e minha filha Paola, que ama verdadeiramente a avó. E a trata com um carinho e atenção admiráveis. Não é só a Paola. Mas ela é a neta mais presente em todas as situações.
Eu sinto orgulho da minha filha tratar minha mãe com tanta generosidade, atenção e amor.
Todas as noites, minha mãe vem ao meu quarto me desejar boa noite. Antes, eu lhe pedia um beijo. Agora ele chega, me diz boa noite e vem me beijar. O mesmo que faço por WhatsApp com minhas filhas. Sempre dizemos umas pras outras “Eu te amo”. E adormecemos.
PS – Guilherme é seu bisnetinho mais novo
24/04/2017
Aos 17 anos publicava minhas crônicas no extinto jornal Diário Popular. Foi assim e enquanto eu era redatora do extinto Banco Auxiliar, um porre! Depois me dediquei às filhas. Tenho duas, Paola e Isabella. Fiz comunicação social. Mas acho mesmo que sou autodidata. Meu nome é Helena.