Cinema

Uma lista essencial com filmes odiados por críticos conservadores

Dogville

Filmes: Quando novas ideias ameaçam ou desestabilizam algo já estabelecido, muitos tendem a reagir com resistência e até repulsa. No universo dos filmes isso não é diferente.

Em 1960, quando Jean-Luc Godard revolucionou a sétima arte com o encantador Acossado, audiência e crítica rejeitaram o filme. Os inovadores aspectos narrativos e técnicos (Jump-cuts e personagens que conversavam diretamente com a câmera) arrancaram os espectadores de sua zona de conforto.

Mais de duas décadas depois, em 1985, o diretor francês foi, mais uma vez, o alvo das plateias de todo o mundo: Je Vous Salue Marie foi censurado em diversos países por seu conteúdo controverso. Ao perguntarem sobre o filme em uma entrevista, o papa João Paulo II afirmou que [o filme] “afeta profundamente os sentimentos religiosos dos fiéis.”

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Desde os primórdios do Cinema, muitos filmes foram rejeitados, criticados e censurados por sua forma e por seus temas por publico e crítica. Felizmente, algumas pessoas notaram a magnitude destas controversas obras que, mais tarde, tornaram-se grandes clássicos. Para esta lista, selecionei 05 exemplos de filmes recentes (1990-2010) que foram odiados por espectadores e críticos conservadores, mas (espero eu) alcançarão o devido reconhecimento muito em breve.

Dogville

Escrito e dirigido por Lars Von Trier, Dogville é um dos mais icônicos casos de amor ou ódio da história do Cinema. De um lado temos aqueles que entendem a importância do filme, aqueles que compreendem a proposta de Von Trier e simpatizam com sua visão e posição crítica. Do outro lado, temos aqueles que acreditam que o diretor Dinamarquês não passa de mais um europeu pedante.

Dogville conta a estória de Grace (Nicole Kidman), uma jovem e bela mulher que chega a um vilarejo chamado Dogville (obvio). O intelectual da vila encontra a elegante fugitiva e convence os outros habitantes da pequena cidade a abrigar a misteriosa moça se ela ajudar com algumas tarefas diárias. Quando fatos obscuros do passado de Grace são revelados e a segurança dos cidadãos é colocada em risco, os (outrora) hospitaleiros vizinhos passam a explorar cada vez mais o trabalho da nova moradora.

A obra prima de Von Trier é uma observação precisa da natureza humana e uma contundente crítica às nossas instituições morais. Alguns críticos, numa análise mais profunda e metafórica, traçam um paralelo entre o filme e a história do cristianismo.

A julgar pelo seu tema e pelas cenas psicologicamente chocantes, poderíamos afirmar que o filme já causaria alguma polêmica. Entretanto, o diretor que chocou audiências com Os Idiotas (obra que seguia à risca as regras do Dogma 95; movimento criado por Trier e Thomas Vinterberg), surpreendeu o publico mais uma vez. Dogville foi filmado num grande galpão sem nenhum cenário; só existiam demarcações no solo e alguns objetos para compor as cenas e a atmosfera de uma pequena cidade. Um clima teatral permeia o filme que não é só um grande estudo das relações humanas; é também uma forte crítica à Hollywood e aos atuais mecanismos de produção e financiamento da indústria cinematográfica.

Completamente revolucionário, o diretor que por muito tempo foi conhecido como o “enfant terrible” do Cinema europeu, mostrou com esse filme que ainda carregava suas raízes radicais e que estas não residem só na forma, mas também no conteúdo de seu trabalho. Como todos os filmes de Lars Von Trier, Doggvile bateu de frente com críticos e audiências conservadoras.

Rubber

Rubber é provavelmente um dos filmes mais injustiçados dos últimos 10 anos. Dirigido por Quentin Dupieux (que também é um famoso músico conhecido como Mr. Oizo) o filme exala fetichismo, vivacidade e originalidade.

Este exploitation pós-moderno de baixo orçamento, acompanha a estória de Robert, um pneu (isso mesmo, um pneu!) que ganha vida sem nenhuma explicação plausível. Assim que descobre como se mover, o pneu e começa a rolar estrada abaixo. Em seu caminho, Robert se apaixona por uma garota, assiste televisão e percebe que tem poderes telecinéticos. Uma vez que descobre seus poderes, o pneu (literalmente) explode a cabeça daqueles que entram em seu caminho.

Com uma premissa como essa, o filme obviamente ganharia uma legião de opositores. Pouquíssimos foram os críticos que deram bons reviews ao filme e mais raros ainda foram os espectadores que tiveram a oportunidade de assisti-lo. Rubber não foi lançado nos cinemas brasileiros e as versões em DVD e Blu-ray também não chegaram por aqui.

Dupieux surpreendeu o publico não só com seu roteiro esquisito; o diretor empregou um método mais do que incomum para contar sua estória: ele coloca uma plateia dentro do filme! Essa escolha permitiu que Quentin fizesse muito mais do que meramente reviver um gênero esquecido de Hollywood: Rubber critica a estagnada e pouco criativa indústria hollywoodiana, e também é um belíssimo tributo ao gênero e ao fascinante mundo do nonsense.

Irreversível

Irreversível é o filme mais impactante e visualmente perturbador desta lista. Dirigido por Gaspar Noé, o filme integrou a seleção oficial do festival de Cannes em 2002 e (vamos dizer que) não foi o filme favorito dos críticos. Irreversível foi taxado como imoral, homofóbico, autoindulgente, pretensioso e muito mais por praticamente todos que o assistiram. Por quê? Porque, Gaspar Noé teve a coragem de mostrar o que ninguém queria ver. Há uma cena de estupro de 9 minutos com uma câmera estática, uma cena em uma casa noturna gay com conteúdo sexual explícito e uma cabeça sendo lentamente esmagada (em foco) por um extintor de incêndio. Então, se você achou que a cena da cabeça esmagada em Drive era muito para seus olhos, fique bem longe de Irreversível.

Polêmica suficiente não é? Não para Noé. Para contar essa simples estória (Namorado quer vingança após namorada ser estuprada) o diretor argentino inverteu a ordem cronológica (Sim; parece com Amnésia) e dividiu os 97 minutos do filme em treze “planos-sequência” absolutamente brilhantes. Nestes longuíssimos planos existem diversos cortes escondidos; méritos para o incrível trabalho de edição. Nos primeiros 40 minutos do filme, a câmera chacoalha violentamente e viaja entre o espaço e o tempo de uma forma nunca antes vista.

Unindo violência com uma técnica invejável, Gaspar Noé criou uma das obras cinematográficas mais provocantes e perturbadoras do século XXI. Apesar de todos os reviews negativos e insultos, não há nada gratuito em Irreversível; o diretor só queria fazer com que tivéssemos certeza (e isso pode soar um pouco niilista) de que “o tempo destrói tudo”.

Odiado por críticos conservadores por razões obvias, Irreversível é uma verdadeira e controversa obra de arte.

Kids

O lendário fotógrafo Larry Clark estava caminhando pelo Washington Square Park quando conheceu um jovem skatista. Fascinado pelo garoto, o fotografo pediu para o rapaz escrever um roteiro de sobre seu círculo social e adicionar algo relacionado à epidemia de AIDS que explodiu nos anos 90. Algumas semanas depois Clark tinha seu roteiro. O resultado foi o longa-metragem Kids dirigido por Larry Clark e escrito por Harmony Korine aos 19 anos de idade.

Kids foi lançado em 1995 e conta a estória de um grupo de adolescentes que passam o dia todo andando por aí, bebendo, fumando maconha, andando de skate e perseguindo garotas (principalmente virgens). Larry solicitou que Korine escrevesse o roteiro porque queria algo genuíno e sincero. Foi exatamente o que conseguiu. Kids (e talvez o Balconista) são os mais verdadeiros e honestos retratos dos anos 90. O filme não tem medo de mostrar jovens espalhando doenças venéreas, usando drogas e agindo como jovens! Em certa cena, Casper abusa de uma garota dopada no mesmo cômodo em que um garotinho está dormindo. Audiência e crítica reagiram imediatamente. Críticos descreveram o filme como uma ilusão artística, imoral, pedofilia, vazio, exploração e assim vai. Como Jack Nicholson diria: “they can’t handle the truth!”

Kids não inovou em sua forma, mas inovou por ser honesto sobre um assunto do qual todos sabiam a verdade, mas não conseguiam conversar abertamente sobre. Totalmente rejeitado, esse filme não é apenas um retrato da década de 1990, é uma importante mensagem para jovens de qualquer década e de qualquer lugar do mundo.

Gummo

Gummo é, sem dúvida alguma, o mais audacioso filme desta lista. Dirigido por Harmony Korine (sua estreia como diretor), o filme conta a estória de Solomon e Tummler, dois garotos que vivem numa cidade (quase pós-apocalíptica) que fora devastada por um tornado. Korine teve a ideia para o roteiro quando conheceu a história de uma pequena cidade do estado de Ohio chamada Xenia que foi, múltiplas vezes, destruídas por fenômenos naturais.

Em uma entrevista para David Letterman, Korine (obviamente parafraseando Godard) disse: “I believe a movie must have a beginning, middle and an end but not necessarily in this order” (Em tradução livre: Eu acredito que um filme deve ter começo, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem.); toda a plateia riu do garoto com roupas de skatista. Em Gummo, o diretor de primeira viagem não só segue este conceito, mas leva estas ideias a outro nível. O filme é composto por fatias de cenas semidocumentais (que foram gravadas em fitas VHS assim como em Trash Humpers) e belíssimas sequencias surrealistas. Claramente Inspirado pela Nouvelle Vague, esse filme é um amável tributo e um grito desesperado para as próximas gerações de cineastas.

Entre as personagens secundárias temos um anão, um homem que prostitui a filha com problemas mentais, um Garoto-Coelho, duas crianças vestidas como cowboys e um bando de ébrios que jogam queda de braço. Com o cenário arrasado como plano de fundo e um futuro sem nenhuma perspectiva, Solomon e Tummler passam o dia matando gatos para vender suas carcaças à um restaurante chinês, cheirando cola, fazendo sexo e participando das poucas opções de lazer que a melancólica cidade oferece. O filme foi duramente criticado devido aos personagens bizarros e por sua estrutura não linear e completamente nonsense. Paul Tatara da CNN disse que Gummo é a “prova de que crianças não deveriam brincar com câmeras.”

Gummo é um dos mais visionários e anárquicos filmes das ultimas duas décadas. Eu acredito que aqueles que riram de Harmony Korine irão, um dia, perceber a beleza e o valor de seu trabalho. Esse jovem diretor mostrou-nos que podemos e devemos usar lições do passado para criar novas ideias. Gordard foi uma criança brincando com uma câmera.

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